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sábado, junho 06, 2015

*Uma história que vem da África*

_________________Prof. James Aggrey
Era uma vez um político, também educador popular, chamado James Aggrey: Ele era natural de Gana, pequeno país da África Ocidental. Até agora, talvez, um ilustre desconhecido. Mas, certa feita, contou uma história tão bonita que, com certeza, já circulou pelo mundo, tornando seu autor e sua narração inesquecíveis. Como muitas pessoas provavelmente não tiveram a oportunidade de ler sua história, nem de conhecer seu país, vamos inicialmente falar um pouco de Gana e relembrar aquela história. Gana está situado no Golfo da Guiné, entre a Costa do Marfim e o Togo. Sua longa história vem do século IV. Alcançou o apogeu entre 700 e 1200 de nossa era. Naquela época havia tanto ouro que até os cães de raça usavam coleiras e adornos com esse precioso metal. No século XVI Gana foi feita colônia pelos portugueses. E por causa do ouro abundante chamaram-na de Costa do Ouro. Outros, como os traficantes de escravos, denominavam-na também de Costa da Mina. No século XVIII, época do chamado ciclo da Costa da Mina, vieram dessa região, especialmente para a Bahia, cerca de 350 mil escravos. Com eles vieram e foram incorporados muitos elementos de sua cultura. O uso medicinal das folhas (ewé) que curam somente quando acompanhadas de palavras mágicas e de encantamento. E sua religião, o ioruba ou o candomblé, que possui uma das teologias mais fascinantes do mundo. Faz de cada pessoa humana uma espécie de Jesus Cristo, quer dizer, um virtual incorporador dos orixás, divindades ligadas à natureza e às suas energias vitais. Os escravos eram negociados em troca de fumo de terceira. Refugado por Lisboa, esse fumo era muito apreciado na África por causa de seu perfume. Dizia-se até: “a Bahia tem fumo e quer escravos; Costa da Mina tem escravos e quer fumo; portanto, façamos um negócio que é bom para os dois lados”. A maioria dos escravos das plantações de cana-de-açúcar nos Estados Unidos vieram também da região de Gana. A pretexto de combater a exportação de escravos para as Américas, a Inglaterra se apoderou desta colônia portuguesa. De início, em 1874, ocupou a costa e, em seguida; em 1895, invadiu todo o território. Gana perdeu assim a liberdade, tomando-se apenas mais uma colônia inglesa. A libertação começa na consciência A população ganense sempre alimentou forte consciência da ancestralidade de sua história e muito orgulho da nobreza de suas tradições religiosas e culturais. Em conseqüência, foi constante sua oposição a todo tipo de colonização. James Aggrey; considerado um dos precursores do nacionalismo africano e do moderno pan-africanismo, fortaleceu significativamente este sentimento. Ele teve grande relevância política como educador de seu povo. Para libertar o país – pensava ele à semelhança de Paulo Freire – precisamos, antes de tudo, libertar a consciência do povo. Ela vem sendo escravizada por idéias e valores antipopulares, introjetados pelos colonizadores. Com efeito, os colonizadores, para ocultar a violência de sua conquista, impiedosamente desmoralizavam os colonizados. Afirmavam, por exemplo, que os habitantes da Costa do Ouro e de toda a África eram seres inferiores, incultos e bárbaros. Por isso mesmo deviam ser colonizados. De outra forma, jamais seriam civilizados e inseridos na dimensão do espírito universal. Os ingleses reproduziam tais difamações em livros. Difundiam-nas nas escolas. Pregavam-nas do alto dos púlpitos das igrejas. E propalavam-nas em todos os atos oficiais. O marte lamento era tanto que muitos colonizados acabaram hospedando dentro de si os colonizadores com seus preconceitos. Acreditaram que de fato nada valiam. Que eram realmente bárbaros, suas línguas, rudes, suas tradições, ridículas, suas divindades, falsas, sua história, sem heróis autênticos, todos efetivamente ignorantes e bárbaros. Pelo fato de serem diferentes dos brancos, dos cristãos e dos europeus, foram tratados com desigualdade, discriminados. A diferença de raça, de religião e de cultura não foi vista pelos colonizadores como riqueza humana. Grande equívoco: a diferença foi considerada como inferioridade! Processo semelhante ocorreu no século XVI com os indígenas da América e com os colonizados da Ásia. E ocorre ainda hoje com os países que não foram inseridos no novo sistema mundial de produção, de consumo e de mercado global, como a maioria das nações da América Latina, da África e da Ásia. Elas são consideradas “sem interesse para o capital”, tidas, em termos globais, como “zeros econômicos” e suas populações vistas como “massas humanas descartáveis”, “sobrantes” do processo de modernização. São entregues à própria fome, à miséria e à margem da história feita pelos que presumem serem os senhores do mundo. Estes mostram, por isso, uma insensibilidade e uma desumanidade que dificilmente encontra paralelos na história humana. Infelizmente, a mesma discriminação acontece com os pobres e miseráveis, com as mulheres, os deficientes físicos e mentais, os homossexuais, os portadores do vírus HIV, os hansenianos e todos aqueles que não se enquadram nos modelos preestabelecidos. Todos são vítimas do preconceito e da exclusão por parte daqueles que se pretendem os únicos portadores da humanidade, de cultura, de saúde, de saber e de verdade religiosa. – Dominadores, vossa arrogância vos torna cruéis e sem piedade. Ela vos faz etnocêntricos*, dogmáticos* e fundamentalistas* .Não percebeis que vos desumanizais a vós mesmos? Reparai: onde chegais, fazeis vítimas de toda ordem por conta do caráter discriminador, proselitista e excludente de vossas atitudes e de vosso projeto cultural, religioso, político e econômico que impondes a todo mundo! A libertação se efetiva na prática histórica Toda colonização – seja a antiga, pela invasão dos territórios, seja a moderna, pela integração forçada no mercado mundial – significa sempre um ato de grandíssima violência. Implica o bloqueio do desenvolvimento autônomo de um povo. Representa a submissão de parcelas importantes da cultura, com sua memória, seus valores, suas instituições, sua religião, à outra cultura invasora. Os colonizados de ontem e de hoje são obrigados a assumir formas políticas, hábitos culturais, estilos de comunicação, gêneros de música e modos de produção e de consumo dos colonizadores. Atualmente se verifica uma poderosa “hamburguerização” da cultura culinária e uma “rockitização” dos estilos musicais. Os que detêm o monopólio do ter, do poder e do saber, controlam os mercados e decidem sobre o que se deve produzir, consumir e exportar. Numa palavra, os colonizados são impedidos de fazer suas escolhas, de tomar as decisões que constroem a sua própria história. Tal processo é profundamente humilhante para um povo. Produz sofrimentos dilaceradores. A médio e a longo prazo não há razões, quaisquer que sejam, que consigam justificar e tomar aceitável tal sofrimento. Aos poucos ele se torna simplesmente insuportável. Dá origem a um antipoder. Os oprimidos começam a “extrojetar” o opressor que forçadamente hospedam dentro de si. É o tempo maduro para o processo de libertação. Primeiro, na mente. Depois, na organização, Por fim, na prática. Libertação significa a ação que liberta a liberdade cativa. É só pela libertação que os oprimidos resgatam a auto-estima. Refazem a identidade negada. Reconquistam a pátria dominada. E podem construir uma história autônoma, associada à história de outros povos livres. – Oprimidos, convencei-vos desta verdade: a libertação começa na vossa consciência e no resgate da vossa própria dignidade, feita mediante uma prática conseqüente. Confiai.Jamais estareis sós. Haverá sempre espíritos generosos de todas as raças, de todas as classes e de todas as religiões que farão corpo convosco na vossa nobre causa da liberdade. Haverá sempre aqueles que pensarão: cada sofrimento humano, em qualquer parte do mundo, cada lágrima chorada em qualquer rosto, cada ferida aberta em qualquer corpo é como se fosse uma ferida no meu próprio corpo, uma lágrima dos meus próprios olhos e um sofrimento do meu próprio coração. E abraçarão a causa dos oprimidos de todo o mundo. Serão vossos aliados leais. James Aggrey incentivava em seus compatriotas ganenses tais sentimentos de solidariedade essencial. Infelizmente não pôde ver a libertação de seu povo. Morreu antes, em 1927. Mas semeou sonhos. A libertação veio com Kwame N’Krumah, uma geração após. Este aprendeu a lição libertária de Aggrey: Apesar da vigilância inglesa, conseguiu organizar em 1949 um partido de libertação, chamado Partido da Convenção do Povo. N’Krumah e seu partido pressionaram de tal maneira a administração colonial inglesa, que o governo de Londres se viu obrigado, em 1952, a fazê-lo primeiro ministro. Em seu discurso de posse surpreendeu a todos ao proclamar: “Sou socialista, sou marxista e sou cristão”. Obteve a sua maior vitória no dia 6 de março de 1957 quando presidiu a proclamação da independência da Costa do Ouro. Agora o país voltou ao antigo nome: Gana. Foi a primeira colônia africana a conquistar sua independência. Gana tem hoje 238.537 quilômetros quadrados, com densa selva tropical ao sul, atravessada pelo grandioso rio Volta de 1.600 quilômetros de comprimento. A represa Akossombo, feita com o rio, forma um imenso lago de 8.482 quilômetros quadrados, numa extensão de quatrocentos quilômetros. A capital é Accra, com ,cerca de 700 mil habitantes numa população total de 16,4 milhões de pessoas. Estima-se que 2000 Gana terá 20 milhões de habitantes. Se aplicarem os ideais de James Aggrey, consolidarão sua identidade e autonomia. E avançarão pouco a pouco no sentido de uma cidadania participativa e solidária. Repoduzido do livro “A águia e a galinha” de Leonardo Boff. Editora Vozes

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