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quarta-feira, junho 25, 2014

Breve Resumo: Cogito Ergo Sum - Penso Logo Existo

Descartes põe tudo em dúvida, até mesmo o conceito de verdade...
Ele duvida dos sentidos, do sonho, duvida da realidade, duvida da matemática e até põe duvida a existência de Deus. Em principio ele põe em duvida suas sensações como forma de conhecimento, contudo, se os sentidos nos enganam, então, cabe procurar algo que assegure a veracidade das coisas, já que as sensações podem enganar pelo menos uma vez; elas podem enganar continuamente. Em seguida, por meio do argumento do sonho, duvidou da realidade externa e da realidade do seu corpo, todavia, sonhando ou acordado, a percepção das duas realidades é a mesma, ou seja, há sonhos tão reais que não se sabe se está sonhando, afirma Descartes: “Porque não pode impedir que os mesmos pensamentos que temos quando acordados ocorram também quando estamos dormindo”. Transversalmente ele se apropria do contexto do gênio enganador, duvidou da certeza sobrevinda das entidades matemáticas. Argumenta que há um gênio maligno qual nos engana quanto à soma 1+1 = 2, cujo resultado poderia ter outra implicação e não o resultado da soma de 1+1 que são 2. Daí ele chega à conclusão de que há um gênio enganador, então ele existe, o que o levou a definir o cogito (eu pensante), que vai garantir a verdade ao retornar ao sujeito, Então, ele chegou à primeira certeza, em concluir que não pode colocar em duvida: de que ele está duvidando. Ele não teria como duvidar que esteja duvidando, pois assim ele só confirma que está duvidando. A primeira certeza é essa, “penso logo existo”, “sou uma coisa pensante” que sente, duvida e não duvida. 'Penso, logo existo.' denota: Como ser pensante, Tenho domínio de minhas ações pensantes, penso, logo sei; penso, logo tenho consciência, penso, sou apto a julgar o certo e o não certo.
___Conclusão:___ Descartes coloca tudo em dúvida, até a própria opinião da verdade... Sua afirmação é de que a ação de pensar é em si a primeira certeza.. Descartes assevera que: o ato de pensar é o "conhecimento que afirmo ser mais certo e mais evidente, do que todos os que tive até agora"... Descartes conclui que ele tem à certeza de que ele é uma existência, consciente pelo fato articular o ato de estar pensando... A afirmação de Descartes é a existência do cogito como princípio de sua filosofia... Descartes conceitua que: “Não existe nada que seja igual ao que eu percebo com meu tato, com meu sentido”.

sábado, abril 05, 2014

Síntese do conceito de Democracia do "Dicionário de Política".


------------A teoria contemporânea de democracia é constituída de três grandes tradições do pensamento político: a teoria clássica, divulgada como a teoria aristotélica; a teoria medieval, de origem romana; e a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel. Para se fazer uma análise que se chegue a um conceito de democracia é preciso uma rápida referência à tradição.______________ _________-A tradição aristotélica das três formas de governo-_______ A tipologia aristotélica distingue três formas puras e três formas corruptas, conforme o detentor do governo governa para o interesse geral ou para o interesse próprio. A Democracia é atribuída a forma corrupta, pois seria o "Governo de vantagens para os pobres", contrapondo-se assim ao "Governo de vantagem para o monarca" (tirania), e ao "Governo de vantagem para os ricos" (oligarquia ). Portanto esse não seria uma forma de governo do povo, pois se é o governo dos pobres, é o governo de uma parte contra a outra. Da democracia estendida em sentido mais amplo, Aristóteles subdistingue cinco formas: a) ricos e pobres participam do Governo em condições paritárias, b) os cargos públicos são distribuídos com base num censo muito baixo, c) são admitidos aos cargos públicos todos os cidadãos entre os quais os que forem privados de direitos civis após processo judicial, d) são admitidos aos cargos públicos todos os cidadãos sem exceção, e) quaisquer que sejam os direitos políticos, soberana é a massa e não a lei. -A tradição romano-medieval de soberania popular- Os juristas medievais elaboraram a teoria da soberania popular, onde se diz que o povo cria o direito não apenas através do voto, dando vida às leis, mas também dando vida aos costumes. O primeiro passo serviu para demonstrar que, fosse qual fosse o efetivo detentor do poder soberano, a fonte originária deste poder seria sempre o povo e abriu o caminho para a distinção entre a titulariedade e o exercício do poder, que teria permitido, no decorrer da longa história do Estado democrático, salvar o princípio democrático não obstante a sua corrupção prática. O segundo passo permitiu verificar que nas comunidades onde o povo transferiu para outros o poder originário de fazer as leis, sempre conservara, apesar de tudo, o poder de criar direito através da tradição. Com relação ao primeiro passo, a discussão que se criou foi de se estabelecer se a passagem do poder do povo para o imperador deve ser considerada uma transferência definitiva, ou uma concessão temporária e revogável, com a conseqüência de que a titulariedade do poder continuaria com o povo, e seria confiada ao príncipe apenas o exercício do poder. -A tradição republicana moderna- O desenvolvimento da história romana repropõe ao pensamento, mais do que tema da tripartição, o tema da contraposição entre reino e república ou entre república e principiado. Nos escritores medievais, a tripartição aristotélica e a bipartição entre reino e república correm muitas vezes de forma paralela. Certamente foi a meditação da história da república romana, unida às considerações sobre as coisas do próprio tempo, que fez escrever a Maquiavel, no início da obra que ele dedicou ao principiado, que "todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm império sobre os homens, foram e são repúblicas ou principiados". Das três formas de Governo descritas por Montesquieu, república, monarquia e despotismo, a forma republicana de Governo compreende tanto a república democrática como a aristocrática, quase sempre tratadas separadamente. Quando o discurso visa os princípios de um Governo, o princípio próprio da república, a virtude, é o princípio clássico da democracia e não da aristocracia. -Democracia e Liberalismo- Durante o século XIX, a discussão sobre a democracia se desenvolveu principalmente através do confronto entre liberalismo e socialismo. O ponto de partida para concepção liberal de Estado, foi o discurso de Benjamim Constant sobre A liberdade dos antigos comparada com a dos modernos. Para ele, a liberdade dos modernos, é a liberdade individual em sua relação com o Estado, aquela liberdade de que são manifestações concretas as liberdades civis e política, enquanto que a liberdade dos antigos, que se tornou impraticável e danosa, é a liberdade como participação direta na formação de leis através das assembléias. Daí foi-se afirmando através dos escritores liberais que a única forma de democracia compatível com o Estado liberal, é a democracia representativa ou parlamentar, onde o dever de fazer leis não é atribuída a todo o povo e sim aos representantes eleitos por eles próprios. No geral, a linha de desenvolvimento da Democracia nos regimes representativos se figura basicamente em duas direções: a) No alargamento gradual do direito de voto, até que atingirem todos os cidadãos e ambos sexos que atingirem um certo limite de idade; b) na multiplicação dos órgãos representativos. Ao longo desse processo de democratização que se desenvolveu nos Estados liberais houve uma transformação mais qualitativa do que quantitativa do regime representativo. -Democracia e Socialismo- No que se diz respeito ao socialismo, o ideal democrático representa um elemento integrante e necessário, mas não constitutivo. Integrante porque uma das metas do socialismo foi o reforço da base popular do Estado. Necessário, porque sem este esforço jamais seria alcançada a transformação que os socialistas tinham como perspectiva. Por outro lado, o ideal democrático não é constitutivo do socialismo, porque a essência deste sempre foi a idéia da revolução das relações econômicas e não apenas da emancipação política do homem. As características da nova forma de Estado que foi chamada de "autogoverno dos produtores" com respeito ao regime representativo foram: a) o novo Estado da Comuna deve ser "não um órgão parlamentar, mas de trabalho, executivo e legislativo, ao mesmo tempo"; b) a Comuna estende o sistema eleitoral a todas as partes do Estado; c) a Comuna é composta de conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal, responsáveis e revogáveis em qualquer momento; d) o novo Estado deveria ter descentralizado ao máximo, as próprias funções nas comunas rurais, que teriam seus representantes a uma assembléia nacional à qual seria deixadas algumas poucas mas importantes funções cumpridas por funcionário comunais. -O significado formal da democracia- Na teoria política contemporânea, as definições de democracia estão representadas em uma série de "procedimentos universais". Entre estes: 1) o órgão político máximo deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo; 2) junto do supremo órgão legislativo deverá haver outras instituições com dirigentes eleitos; 3) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, religião, censo, sexo, devem ser eleitores; 4) todos os eleitores devem ter voto igual; 5) todos os eleitores devem ser livres em votar segundo sua própria opinião formada o mais livremente possível: 6) devem ser livres também no sentido de terem reais alternativas de escolha na eleição; 7) para todas as eleições fica estabelecido o princípio da maioria numérica; 8) nenhuma decisão tomada por uma minoria deve limitar os direitos da maioria; 9) o órgão do Governo deve gozar de confiança do parlamento ou do chefe do poder executivo eleito pelo povo. -Algumas tipologias de regime democrático- A um nível mais superficial está a distinção entre o regime presidencial e o regime parlamentar. A diferença entre os dois está na relação diferente da relação entre o executivo e o legislativo. Enquanto que no regime parlamentar a democraticidade do executivo depende do fato de que ele é uma emanação do legislativo, que por sua vez foi eleito pelo povo, no regime presidencial o executivo é eleito diretamente pelo povo. A um nível mais inferior, se encontra a tipologia que leva em consideração o sistema de partidos, que varia de acordo com o número, que podem ser bipartidários ou multipartidários, e de acordo com o modo como os partidos se dispõem uns para ou contra os outros. Aí também se distinguem duas variáveis: a) os sistemas bipolares, em que os partidos se agregam em dois pólos, o do Governo e o da oposição, e os sistemas multipolares, em que os partidos se dispõe voltados para o centro e para as duas posições, de direita e de esquerda. A um nível mais profundo, Gabriel Almond distinguiu três tipos de democracia: a) Democracia de alta autonomia dos subsistemas ( partidos, sindicatos, grupos de pressão em geral ) ; b) Democracia de limitada autonomia dos subsistemas; c) Democracia de baixa autonomia dos subsistemas.
- -A concepção do Estado em Marx e Engels- Partiremos primeiro de uma definição de Estado, onde se lê na Enciclopédia Treccani: "Com a palavra Estado, indica-se modernamente a maior organização política que a humanidade conhece; ela se refere quer ao complexo territorial e demográfico sobre o qual se exerce uma dominação, quer a relação de coexistência e de coesão das leis e dos órgãos que dominam sobre esse complexo". Em nossa pesquisa, vamos partir do Estado moderno - O Estado unitário dotado de um poder próprio começa a nascer na segunda metade do século XV na França, Inglaterra e Espanha e depois se estende a outros países europeus e muito mais tarde à Itália. Só a partir da formação dos Estados modernos, é que se forma uma reflexão sobre o Estado. Nicolau Maquiavel, no seu livro O Príncipe afirma: "todos os Estados, todas as dominações que tiveram e têm o império sobre os homens foram e são repúblicas ou principiados". Desde seu nascimento, o Estado moderno apresenta dois elementos que diferem dos Estados do passado. A primeira característica do Estado moderno é a autonomia, a plena soberania do Estado que não permite que sua autoridade dependa de qualquer outra autoridade. A segunda característica é que o Estado se torna uma organização distinta da sociedade civil, embora seja expressão desta. -Os pensadores políticos desde N. Maquiavel até G.W.F. Hegel- -Nicolau Maquiavel (1469-1527)- Maquiavel elaborou sua teoria, refletindo sobre a realidade da sua época, e na verdade formou a teoria de como se constitui o Estado moderno. Ele foi o primeiro pensador a separar o estudo da política separada da moral e da religião. Para ele, o importante não era idealizar um Estado ideal e sim discernir sobre um estado que já existia. Ele defende o estudo das coisas como o que se pode e é necessário fazer, e não o que se deveria fazer. A política segundo Maquiavel, deve levar em consideração que a natureza dos homens é imutável. Não se deve esperar gratidão por parte dos homens, pois eles são ingratos por natureza. O príncipe que esperar gratidão por parte dos súditos será derrotado. Segundo ele "os homens têm menos escrúpulo de ofender quem faz amar do que quem faz temer. Pois o amor depende de uma veiculação moral que os homens, sendo malvados, rompem; mas o temor é mantido por um medo de castigo que não nos abandona nunca". Por isso o Estado moderno deve-se fundar no terror. Maquiavel não se ocupa de moral, ele trata de política e estuda as leis específicas da política e começa a fundamentar a ciência política. Ele funda uma nova moral, a moral mundana, a moral que se forma dos relacionamentos dos homens, a moral do cidadão que constrói o Estado. -Jean Bodin (1530-1596)- Bodin é o primeiro que faz uma reflexão sobre o Estado moderno. Ele polemiza com Maquiavel, pois este pretendia construir um Estado, e ele falava sobre um Estado que já existia, o da França. Ele começou a teorizar a autonomia e soberania do Estado moderno, de maneira que o Estado é constituído essencialmente do poder, nem o território, nem o povo, representam tanto o Estado quanto o poder. Para ele é da soberania que depende toda á estrutura do Estado. O Estado é o poder absoluto, a coesão de todos os elementos da sociedade. -Thomas Robbes (1588-1679)- A teoria do Estado de Hobbes é a seguinte: os homens em seu estado natural, vivem como animais se jogando uns contra os outros pelo desejo de poder, riquezas, e propriedades. Mas se continuassem a viver desta forma, eles se autodestruiriam, portanto percebeu-se a necessidade de estabelecerem um acordo, um contrato, para se protegerem. Esse contrato colocaria freio nessa atitude egoísta do homem e impediria que eles vivessem em constante guerra. No entanto, os pactos, tratados, contratos, sem espadas, são apenas palavras sem força. Por isso deveria se criar um Estado absoluto, com poderes absolutos, duríssimo em seu poder, para garantir este contrato. -Jonh Locke (1632-1704)- Locke observa que o homem em seu estado natural é plenamente livre, mas sente a necessidade de colocar limite à sua própria liberdade a fim de garantira a sua propriedade. Ele afirma que os homens se juntam em sociedades políticas para conservarem suas propriedades, pois no seu estado natural, não é garantida a propriedade. É necessário que se constitua um Estado que assegure essa propriedade. Ele também segue o pensamento do surgimento de um contrato. Mas esse contrato não gera um Estado absoluto, para ele, esse contrato poderia ser desfeito como qualquer outro contrato, ficando assim nítida a sua visão liberal burguesa. O Estado não pode tirar de ninguém o poder supremo sobre sua propriedade. Não é possível nenhum ato arbitrário que viole a propriedade. Locke estabelece também a separação das duas esferas de sociedade. A sociedade política e civil obedecem a normas e leis diferentes. Todos os direitos de propriedade são exercidos na sociedade civil, e o Estado não deve interferir e sim garantir o livre exercício da propriedade. É estrita a conexão entre propriedade e liberdade. A liberdade está em função da propriedade, e esta é o alicerce da liberdade burguesa progressista. -Emmanuel Kant (1724-1804)- Kant inicialmente afirma que a soberania pertence ao povo, mas após essa consideração ele acrescenta que há cidadãos independentes e não independentes. Os cidadãos independentes, são os proprietários, que não dependem dos outros e podem exprimir opinião política, podem decidir a política do Estado. Já os cidadãos não independentes são os servos de fazenda, ou aprendizes de oficina, que não tem direito de voto nem de serem eleitos. Após ter afirmado que a soberania pertence ao povo, na realidade Kant nega o povo o exercício da soberania, pois o restringe somente a uma parte do povo. Aqui fica em plena evidência a relação entre propriedade e liberdade; só é livre quem for proprietário. Além disso, Kant chega a conclusão de que toda a lei é tão sagrada e inviolável, que é crime até colocá-la em discussão. Portanto a lei sobrepõe-se a soberania do povo. -Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)- Para Rousseau também existe uma condição natural do homem, mas é uma condição de felicidade, virtude e liberdade que é destruída e apagada pela civilização. Segundo ele, os homens não podem renunciar a esses bens essenciais de sua condição natural: a liberdade e a igualdade. Eles devem constituir-se em sociedade, que também para ele nasce de um contrato. Mas ao contrário de Locke, onde o contrato constituía a sociedade e o Estado, para Rousseau, o contrato só constitui a sociedade. O povo nunca podem perder a soberania, por isso o povo nunca deve criar um Estado distinto ou separado de si mesmo. O único órgão soberano é a assembléia e é nesta que se expressa a soberania. Para Rousseau, o homem só pode ser livre se for igual; assim que surgir uma desigualdade entre os homens acaba-se a liberdade. O único fundamento da liberdade é a igualdade; não há liberdade onde não existir igualdade. Também é importante observar que para Rousseau, deixa de existir a separação dos três poderes que Montesquieu tinha fixado em começos de 1700. Ele nega a distinção entre os poderes visando afirmar acima de tudo o poder da assembléia. -Benjamim Constant de Rebecque (1767-1830)- O pensamento de Constant leva ao máximo de nitidez a separação entre Estado e sociedade civil. Ele distingue a liberdade do homem moderno e a liberdade dos antigos. A liberdade do homem moderno está no direito de se submeter apenas à lei e nunca à vontade arbitrária de um ou mais indivíduos; de expressar sua própria opinião, exercer seu trabalho, dispor de seu trabalho, etc; finalmente é o direito de exercer sua influência sobre a administração do governo. A liberdade do homem moderno é grande na esfera privada e limitada na esfera pública. Já com os antigos acontecia o contrário. A sua liberdade consistia em exercer coletivamente muitas funções de soberania: em deliberar na praça pública sobre a guerra e paz, em concluir com os estados estrangeiros tratados de aliança, em examinar os balanços e os atos dos magistrados, levá-los diante de todo o povo, acusá-los, condená-los ou absolvê-los. -Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)- Hegel estabelece plenamente a discussão entre Estado e sociedade civil formulada pelos pensadores do século XVIII, mas põe o Estado como fundamento da sociedade civil e da família, e não vice-versa. Quer dizer que, para Hegel, não há sociedade civil se não existir um Estado que a construa, que a componha e que integre suas partes; não existe povo se não existir o Estado, pois é o Estado que funda o povo e não o contrário. É o oposto da concepção democrática, segundo a qual a soberania é do povo, que a exprime no Estado, mas o fundamento da soberania fica sempre no povo. Para Hegel, a recíproca é verdadeira. O Estado funda o povo e a soberania é do Estado, portanto a sociedade civil é incorporada pelo Estado e de certa forma aniquila-se neste. Temos, com Hegel, uma crítica da concepção liberal, individualista da liberdade. É uma crítica que acerta o alvo, mas que desemboca numa solução conservadora. -A crítica de Karl Heinrich Marx (1818-1883)- Marx faz a crítica do Estado burguês, e por conseguinte do liberalismo. Para ele, o comunismo que foi instaurado com a Revolução Francesa era utópico, pois se deu apenas a igualdade jurídica, e para alcançar a igualdade efetiva, era necessário a revolução econômico-social. Essa igualdade pregada na Revolução Francesa servia apenas para o setor economicamente dominante, a burguesia. A igualdade jurídica, sem a revolução econômica-social, era apenas aparente, que escondia e consolidava as desigualdades reais. Ele chegou a conclusão que as relações jurídicas não podem ser compreendidas por si só, pois suas raízes nas relações materiais de existência. A sociedade civil é entendida como o conjunto das relações econômicas e elas que explicam o surgimento do Estado, seu caráter e natureza de leis. Em seu famoso prefácio de 1859, Marx define a correlação existente entre o desenvolvimento das relações econômicas, o Estado e as ideologias, de maneira bem límpida: "O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, isto é, a base real sobre a qual levanta-se uma superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas determinadas da consciência social". Com isso, ele permite fundamentar uma teoria científica do Estado. A sociedade civil, isto é, as relações econômicas, vivem no quadro de um Estado determinado, na medida que o Estado garanta aquelas relações econômicas. Na verdade, não é o Estado que determina a estrutura econômica, e sim o contrário. A origem do Estado segundo Friedrich Engels (1820-1895) A elaboração de Engels vai além da questão do Estado, ele mostra a conexão histórica entre família, propriedade e Estado, identificando assim a origem do Estado. Ele afirma que a sociedade não é a soma das famílias que a constituem. A formação da sociedade e da família são duas coisas que marcham juntas, pois a sociedade organiza as relações entre os sexos para sua própria vida e sobrevivência, e principalmente visando suas necessidades econômicas. Evidentemente é um absurdo pensar que a família exista antes da sociedade. A sociedade originária, a tribo, segundo ele, ainda não conhecia a propriedade privada, a subordinação da mulher, e a descendência é por linha materna. A propriedade privada surge da caça, quando nasce a criação de gado. A caça era uma tarefa dos homens, e ele se torna então o proprietário do rebanho. Com a propriedade privada, afirma-se a descendência por linha paterna, ou seja, a herança passa e pai para filho, e começa também a subordinação da mulher. Nasce aí a sociedade patriarcal, onde o pai é a autoridade suprema.
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sexta-feira, março 28, 2014

As Origens Das Ideias Em Platão x Aristóteles .


____Nossa finalidade neste texto é apenas comparar duas formas diferentes de esclarecer a origem das idéias. A origem das idéias por Platão, o Inatismo; e a estruturação das origens das idéias por Aristóteles, o Realismo que mais tarde seus princípios serviram de base para o Empirismo.____ Platão defendia o Inatismo, nascemos como princípios racionais e idéias inatas. A origem das idéias segundo Platão é dado por dois mundos que são o mundo inteligível, que é o mundo que nós, antes de nascer, passamos para ter as idéias assimiladas em nossas mentes. Quando nós nascemos no mundo conhecidos por todos, o mundo em que vivemos denominado por Platão como mundo sensível nós já temos as idéias formuladas em nossas mentes, mas muito guardadas que para serem utilizadas é necessário “relembrar” as idéias já conhecidas através do mundo inteligível. Para Platão existem quatro formas ou graus de conhecimento que são a crença, opinião, raciocínio e indução. Para ele as duas primeiras podem ser descartadas da filosofia, pois não são concretas, sendo as duas últimas são as formas de fazer filosofia. Para Platão tudo se justifica através da matemática e através dessa que nós chegamos à verdadeira realidade. Para Platão o conhecimento sensível (crença e opinião) é apenas uma da realidade, como se fosse uma visão dos homens da caverna do texto “Alegoria da Caverna” e o conhecimento intelectual (raciocínio e indução) alcança a essência das coisas, as idéias.____
____Já Aristóteles era um filosofo que defendia o Empirismo, as idéias são adquiridas através de experiência, na realidade o Empirismo não era concreto na época de Aristóteles, muitos filósofos como eu defendo que Aristóteles foi um dos criadores das principais idéias do Empirismo e para outros filósofos ele é apenas um realista, um filósofo que dá muita importância para o mundo exterior e para os sentidos, como a única fonte do conhecimento e aprimoramento do intelecto. Ao contrário de Platão, Aristóteles defendia que a origem das idéia dão-se através da observação de objetos para após a formulação da idéia dos mesmos. Para Aristóteles o único mundo é o sensível e que também é o inteligível. Aristóteles diz que existem seis formas ou grau de conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória, raciocínio e intuição. Para ele o conhecimento é formado e enriquecido por informações trazidas de todos os graus citados e não há diferença entre o conhecimento sensível e intelectual, um é continuação do outro, a única separação existente é entre as seis primeiras formas e a última forma, pois a intuição é puramente intelectual, mas isso não quer dizer que as outras formas não sejam verdadeiras, mas sim formas de conhecimento diferentes que utilizam coisas concretas. Podemos defender Aristóteles, dizendo os problemas sobre a teoria das idéias apresentada por Platão, como por exemplo, sua teoria diz que você vem ao mundo com suas idéias já formuladas e que essas idéias são intemporais, e como Platão explica diferentes idéias sobre o que é justiça? Idéia que segundo ele é inata e todos possuem a mesma fonte do que seria a justiça. Já a tese formulada por Aristóteles permite essa diferença, pois as idéias não são assimiladas por todas as pessoas na mesma fonte, pois a fonte é a experiência e nem todos tem as mesmas experiências. A teoria Platônica não permite a introdução de novas idéias no mundo inteligível, já através da observação, princípio Aristotélico, à introdução de novas idéias é perfeitamente possível. Com isso podemos concluir, ser a teoria Aristotélica mais defensável.
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quarta-feira, março 26, 2014

Apologia De Sócrates


_______A Apologia de Sócrates de autoria de Platão descreve os relatos da autodefesa de Sócrates em meio ao célebre julgamento que resultou na sua morte por ingestão de cicuta. O motivo do julgamento é acusação de Sócrates de corromper a juventude e de não aceitar os deuses que são reconhecidos e aceitos pelo estado. A obra está estruturada sob a forma de diálogo, iniciando-se com a acusação feita por Meleto, acompanhado de Ânito e Lícon. Meleto é o único na obra a falar durante a defesa de Sócrates, caindo em contradição sobre a natureza da acusação feita ao filósofo, afirmando num momento que este pregava o ateísmo, e em outro, que acreditava em semideuses. A dissertação defendida por Sócrates, em resposta às acusações, é a de que nada mais fazia do que filosofar. A sua postura era a de que não havia quem pudesse dizer-se prejudicado com seus ensinamentos. Os seus argumentos, plenos de ironia, faziam envergonhar os seus acusadores, que, pela força dos argumentos ficavam sem palavras para prosseguir na acusação. Por isso, a contra-argumentação, ou seja, as razões contrárias à questão defendida, certamente não predominariam num julgamento justo. Sócrates inicia sua defesa dizendo temer mais os antigos acusadores do que os novos, pois estes já o acusam através dos anos. Sócrates declara as falsas acusações, na qual diz que ele comete crime, investigando as coisas terrenas e celestes, e tornando mais forte a razão mais débil e ensinando aos outros._______ I Sócrates apresenta sua defesa O que vós, cidadão atenienses, haveis sentido, com o manejo dos meus acusadores, não sei; certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivamente falavam. Contudo, não disseram, eu o afirmo, nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar. Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos por mim, com fatos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior imprudência, se, todavia, não denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade. Porque, se dizem exatamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira. Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente nada disseram de verdade; mas, ao contrário, eu vo-la direi em toda a sua plenitude. Contudo, por Zeus, não ouvireis, por certo, cidadão atenienses, discursos enfeitados de locuções e de palavras, ou adornados como os deles, mas coisas ditas simplesmente com as palavras que me vieram à boca; pois estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós espera outra coisa. Em verdade, nem conviria que eu, nesta idade, me apresentasse diante de vós, ó cidadãos, como um jovenzinho que estuda os seus discursos. E todavia, cidadãos atenienses, isso vos peço, vos suplico: se sentirdes que me defendo com os mesmos discursos com os quais costumo falas nas feiras, perto dos bancos, onde muitos de vós tendes ouvido, e em outros lugares, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor. Porquanto, há o seguinte: é a primeira vez que me apresento diante de um tribunal, na idade de mais de setenta anos: por isso, sou quase estranho ao modo de falar aqui. Se eu fosse realmente um forasteiro, seu dúvida, perdoaríeis, se eu falasse na língua e maneira pelas quais tivesse sido educado; assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de falar - e poderá ser pior ou mesmo melhor - depois, considerai o seguinte, e só prestai atenção a isso: se o que digo é justo ou não: essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador - dizer a verdade. II É justo, pois, cidadão atenienses, que em primeiro lugar, eu me defenda das primeiras e falsas acusações que me foram apresentadas, e dos primeiros acusadores; depois, me defenderei das últimas e dos últimos. Porque muitos dos meus acusadores tem vindo até vós já bastante tempo, talvez anos, e sem jamais dizerem a verdade; e esses eu temo mais do que Anito e seus companheiros, embora também sejam temíveis os últimos. Mais temíveis porém são os primeiros, ó cidadãos, os quais tomando a maior parte de vós, desde crianças, vos persuadiam e me acusavam falsamente, dizendo-vos que há um tal Sócrates, homem douto, especulador das cosias celestes e investigador das subterrâneas e que torna mais forte a razão mais fraca. Esses, cidadãos atenienses, que divulgaram tais coisas, são os acusadores que eu temo; pois aqueles que os escutam julgam que os investigadores de tais coisas não acreditam nem mesmo nos deuses. Pois esses acusadores são muito e me acusam já há bastante tempo; e, além disso, vos falavam naquela idade em que mais facilmente podíeis dar crédito, quando éreis crianças e alguns de vós muito jovens, acusando-me com pertinaz tenacidade, sem que ninguém me defendesse. E o que é mais absurdo é que não se pode saber nem dizer os seus nomes, exceto, talvez, algum comediógrafo. Por isso, quantos, por inveja ou calúnia, vos persuadiam, e os que, convencidos, procuravam persuadir os outros, são todos, por assim dizer, inabordáveis; porque não é possível fazê-los comparecer aqui, nem refutar nenhum deles, mas devo eu mesmo me defender, quase combatendo com sombras e destruir, sem que ninguém responda. Admiti, também vós, como eu digo, que os meus acusadores são de duas espécies, uns, que me acusaram recentemente, outros, há muito dos quais estou falando e convinde que devo me defender primeiramente destes, porque também vós os ouviste acusar-me em primeiro lugar e durante muito mais tempo que os últimos. Ora bem, cidadãos atenienses, devo defender-me e empreender remover de vossa mente, em tão breve hora, a má opinião acolhida por vós durante muito tempo. Certo eu desejaria consegui-lo, e seria o melhor, para vós e para mim, se, defendendo-me, obtivesse algum proveito; mas vejo a coisa difícil, e bem percebo por quê. De resto, seja como deus quiser: agora é preciso obedecer à lei e em defender. III Prossigamos, pois, e vejamos, de início, qual é a acusação, de onde nasce a calúnia contra mim, baseado no qual Meleto me moveu este processo. Ora bem, que diziam os caluniadores ao caluniar-me? É necessário ler a ata da acusação jurada por esses tais acusadores: - Sócrates comete crime e perde a sua obra, investigando as coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão mais débil, e ensinando isso aos outros. - Tal é , mais ou menos, a acusação: e isso já vistes, vós mesmos, na comédia de Aristófanes, onde aparece, aqui e ali, um Sócrates que diz caminhar pelos ares e exibe muitas outras tolices, das quais não entendo nem muito, nem pouco. E não digo isso por desprezar tal ciência, se é que há sapiência nela, mas o fato é, cidadão atenienses, que, de maneira alguma, me ocupo de semelhantes coisas. E apresento testemunhas: vós mesmos, e peço vos informei reciprocamente, mutuamente vos interrogueis, quantos de vós me ouviram discursar algum dia; e muitos dentre vós são desses. Perguntai-vos uns aos outros se qualquer de vós jamais me ouviu orar, muito ou pouco, em torno de tais assuntos, e então reconhecereis que tais são. do mesmo modo, as outras mentiras que dizem de mim. IV Na realidade, nada disso é verdadeiro, e , se tendes ouvido de alguém que instruo e ganho dinheiro com isso, não é verdade. Embora, em realidade, isso me pareça bela coisa: que alguém seja capaz de instruir os homens, como Górgias Leontino, Pródico de Coo, e Hípias de Élide. Porquanto, cada um desses, ó cidadãos, passando de cidade em cidade, é capaz de persuadir os jovens, os quais poderiam conversar gratuitamente com todos os cidadãos que quisessem; é capaz de persuadir a estar com eles, deixando as outras conversações, compensado-os com dinheiro e proporcionando-lhes prazer. Mas aqui há outro erudito de Paros, o qual eu soube que veio para junto de nós, porque encontrei por acaso um que despendeu com os sofistas mais dinheiro que todos os outros juntos, Cálias de Hipônico. tem dois filhos e eu o interroguei: - Cálias, se os teus filhinhos fossem poldrinhos ou bezerros, deveríamos escolher e pagar para eles um guardião, o qual os deveria aperfeiçoar nas suas qualidades inerentes: seria uma pessoa que entendesse de cavalos e de agricultura. Mas, como são homens, qual é o mestre que deves tomar para eles? Qual é o que sabe ensinar tais virtudes, a humana e a civil? Creio bem que tens pensador nisso uma vez que tem dois filhos. Haverá alguém ou não ? - Certamente! - responde. E eu pergunto: - Quem é, de onde e por quanto ensina? Eveno, respondeu, de Paros, por cinco minas. - E eu acreditaria Eveno muito feliz, se verdadeiramente possui essa arte e a ensina com tal garbo. Mas o que é certo é que também eu me sentiria altivo e orgulhoso, se soubesse tais coisas; entretanto, o fato é, cidadãos atenienses, que não sei. V Algum de vós, aqui, poderia talvez se opor a mim: - Mas Sócrates, que é que fazes? De onde nasceram tais calunias? Se não tivesses te ocupado em coisa alguma diversa das coisas que fazem os outros, na verdade não terias ganho tal fama e não teriam nascido acusações. Dizes, pois, o que é isso, a fim de que não julguem a esmo. Quem diz assim, parece-me que fala justamente, e eu procurarei demonstrar-vos que jamais foi essa a causa produtora de tal fama e de tal calúnia. Ouvi-me. Talvez possa parecer a algum de vós que eu esteja gracejando; entretanto, sabei-o bem, eu vos direi toda a verdade. Porque eu, cidadãos atenienses, se conquistei esse nome, foi por alguma sabedoria. Que sabedoria é essa? Aquela que é, talvez propriamente, a sabedoria humana. É, em realidade, arriscado ser sábio nela: mas aqueles de quem falávamos ainda há pouco seriam sábios de uma sabedoria mais que humana, ou não sei que dizer, porque certo não a conheço. Não façais rumor, cidadãos atenienses, não fiqueis contra mim, ainda que vos pareça que eu diga qualquer coisa absurda: pois que não é meu o discurso que estou por dizer, mas refiro-me a outro que é digno de vossa confiança. Apresento-vos, de fato, o deus de Delfos como testemunha de minha sabedoria, se eu a tivesse, e qualquer que fosse. Conheceis bem Xenofonte. Era meu amigo desde jovem, também amigo do vosso partido democrático, e participou de vosso exílio e convosco repatriou-se. E sabeis também como era Xenofonte, veemente em tudo aquilo que empreendesse. Uma vez, de fato, indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo a respeito disso e - não façais rumor, por isso que digo - perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais sábio que eu. Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio. E a testemunha disso é seu irmão, que aqui está. VI Considerai bem a razão por que digo isso: estou para demonstra-vos de onde nasceu a calúnia. Em verdade, ouvindo isso, pensei: que queria dizer o deus e qual é o sentido de suas palavras obscuras? Sei bem que não sou sábio, nem muito nem pouco: o que quer dizer, pois, afirmando que sou o mais sábio? Certo não mente, não é possível. E fiquei por muito tempo em dúvida sobre o que pudesse dizer; depois de grande fadiga resolvi buscar a significação do seguinte modo: Fui a um daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar, por meio dele, sem dúvida, o oráculo, e, com tais provas, opor-lhe a minha resposta: Este é mais sábio que eu, enquanto tu dizias que eu sou o mais sábio. Examinando esse tal: - não importa o nome, mas era, cidadãos atenienses, um dos políticos, este de quem eu experimentava essa impressão. - e falando com ele, afigurou-se-me que esse homem parecia sábio a muitos outros e principalmente a si mesmo, mas não era sábio. Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser. Daí me veio o ódio dele e de muitos dos presentes. Então, pus-me a considerar, de mim para mim, que eu sou mais sábio do que esse homem, pois que, ao contrário, nenhum de nós sabe nada de belo e bom, mas aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não si nada, também estou certo de não saber. Parece, pois, que eu seja mais sábio do que ele, nisso - ainda que seja pouca coisa: não acredito saber aquilo que não sei. Depois desse, fui a outro daqueles que possuem ainda mais sabedoria que esse, e me pareceu que todos são a mesma coisa. Daí veio o ódio também deste e de muitos outros. VI Depois prossegui se mais me deter. embora vendo, amargurado e temeroso, que estava incorrendo em ódio; mas também me parecia dever fazer mais caso da resposta do deus. Para procurar, pois o que queria dizer o oráculo, eu devia ir a todos aqueles que diziam saber qualquer coisa. E então, cidadãos atenienses, já que é preciso dizer a verdade, me aconteceu o seguinte: procurando segundo o dedo do deus, pareceu-me que os mais estimados eram quase privados do melhor, e que, ao contrário, os outros, reputados ineptos, eram homens mais capazes, quando à sabedoria. Ora, é preciso que eu vos descreva os meus passos, como de quem se cansava para que o oráculo se tornasse acessível a mim. Depois dos políticos, fui aos poetas trágicos, e, dos ditirâmbicos fui aos outros, convencido de que, entre esses, eu seria de fato apanhado como mais ignorante do que eles. Tomando, pois, os seus poemas, dentre os que me pareciam os mais bem feitos, eu lhes perguntava o que queriam dizer, para aprender também alguma coisa com eles. Agora, ó cidadãos, eu me envergonho de vos dizer a verdade; mas também devo manifestá-la. Pois que estou para afirmar que todos os presentes teriam discorrido sobre tais versos quase melhor do que aqueles que os haviam feito. Em poucas palavras direi ainda, em relação aos trágicos, que não faziam por sabedoria aquilo que faziam, mas por certa natural inclinação, e intuição, assim como os adivinhos e os vates; e em verdade, embora digam muitas e belas coisas, não sabem nada daquilo que dizem. O mesmo me parece acontecer com os outros poetas; e também me recordo de que eles, por causa das suas poesias, acreditavam-se homens sapientíssimos ainda em outras coisas, nas quais não eram. Por essa razão, pois, andei pensando que, nisso eu os superava, pela mesma razão que superava os políticos. VIII Por fim, também fui aos artífices, porque estava persuadido de que por assim dizer nada sabiam, e, ao contrário, tenho que dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas. Em verdade, nisso me enganei: eles, de fato. sabiam aquilo que eu não sabia e eram muito mais sábios do que eu. Mas, cidadãos atenienses, parece-me que também os artífices tinham o mesmo defeito dos poetas: pelo fato de exercitar bem a própria arte, cada um pretendia ser sapientíssimo também nas outras coisas de maior importância, e esse erro obscurecia o seu saber. Assim, eu ia interrogando a mim mesmo, a respeito do que disse o oráculo, se devia mesmo permanecer como sou, nem sábio da sua sabedoria, nem ignorante da sua ignorância, ou ter ambas as coisas, como eles o tem. Em verdade, respondo a mim e ao oráculo que me convém ficar como sou. IX Ora, dessa investigação, cidadãos atenienses, me vieram muitas inimizades e tão odiosas e graves que delas se derivaram outras tantas calúnias e me foi atribuída a qualidade de sábio; pois que, a cada instante, os presentes acreditam que eu seja sábio naquilo que refuto os outros. Do contrário, ó cidadãos, o deus é que poderia ser sábio de verdade, ao dizer, no oráculo, que a sabedoria humana é de pouco ou nenhum preço; e parece que não tenha querido dizer isso de Sócrates, mas que se tenha servido do meu nome, tomando-me por exemplo, como se dissesse: Aqueles dentre vós, ó homens, são sapientíssimos os que, como Sócrates, tenham reconhecido que em realidade não tem nenhum mérito quanto à sabedoria. Por isso, ainda agora procuro e investigo segundo a vontade do deus, se algum dos cidadãos e dos forasteiros me parece sábio; e quando não, indo em auxílio do deus, demonstro-lhe que não é sábio. E, ocupado em tal investigação, não tenho tido tempo de fazer nada de nada de apreciável, nem nos negócios públicos, nem nos privados, mas encontro-me em extrema pobreza, por causa do serviço do deus. Além disso, os jovens ociosos, os filhos dos ricos, seguindo-me espontaneamente, gostam de ouvir-me examinar os homens, e muitas vezes me imitam, por sua própria conta, e empreendem examinar os outros; e então, encontram grande quantidade daqueles que acreditam saber alguma coisa, mas, pouco ou nada sabem. Daí, aqueles que são examinados por eles encolerizam-se comigo assim como com eles, e dizem que há um tal Sócrates, perfidíssimo, que corrompe os jovens. E quando alguém os pergunta o que é que ele faz e ensina, não tem nada o que dizer, pois ignoram. Para não parecerem embaraçados, dizem aquela acusação comum, a qual é movida a todos os filósofos: que ensina as coisas celestes e terrenas, a não acreditar nos deuses, e a tornar mais forte a razão mais débil. Sim, porque não querem, ao meu ver, dizer a verdade, isto é, que descobriram a presunção de seu saber, quando não sabem nada. Assim, penso, sendo eles ambiciosos e resolutos e em grande número, e falando de mim concordemente e persuasivamente, vos encheram os ouvidos caluniando-me de há muito tempo e com persistência. Entre esses, arremessaram-se contra mim Meleto, Anito e Licon: Meleto pelos poetas, Anito pelos artífices, Licon pelo oradores. De modo que, como eu dizia no princípio, ficaria maravilhado se conseguisse, em tão breve tempo, tirar do vosso ânimo a força dessa calúnia, tornada tão grande. Eis a verdade, cidadãos atenienses, e eu falo sem esconder nem dissimular nada de grande ou de pequeno. Saibam, quantos o queiram, que por isso sou odiado; er que digo a verdade, e que tal é a calúnia contra mim e tais são as causas. E tanto agora como mais tarde ou em qualquer tempo, podereis considerar essas coisas: são como digo. X
É suficiente, pois. esta minha defesa diante de vós, contra a acusação movida a mim pelos primeiros acusadores. Agora procurarei defender-me de Meleto, homem de bem e amante da pátria, como dizem, e um dos últimos acusadores. Voltemos, portanto, ao ato de acusação, jurado por ele, como por outros acusadores. É mais ou menos assim: -Sócrates - diz a acusação - comete crime corrompendo os jovens e não considerando como deuses os deuses que a cidade considera, porém outras divindades novas.- Esta é a acusação. Examinemo-la agora, em todos os seus vários pontos. Diz, primeiro, que cometo crime, corrompendo jovens. Ao contrário, eu digo, cidadãos atenienses, Meleto é quem comete crime, porque brinca com as coisas graves. Conduzindo com facilidade os homens ao tribunal, aparentando ter cuidado e interesse por coisas em que de fato nunca pensou. Procurarei mostrar-vos que é bem assim. XI -Agora, dize-me, Meleto: não é verdade que te importa bastante que os jovens se tornem cada vez melhores, tanto quanto possível? -Sim, é certo. -Vamos, pois, dize-lhes quem os torna melhores; é claro que tu o deves saber, sendo coisa que te preocupa, tendo de fato encontrado quem os corrompe, como afirmas, uma vez que me trouxeste aqui e me acusa. Continua, fala e indica-lhes quem os torna melhores. Vê, Meleto, calas e não sabes o que dizer. E, ao contrário não te parece vergonhoso e suficiente prova do que justamente eu digo, que nunca pensaste em nada disso? Mas, dizes, homem, de bem, quem os torna melhores? -As leis. - Mas não pergunto isso, ótimo homem, mas qual o homem que sabe, em primeiro lugar, isso exatamente, as leis. - Aqueles, Sócrates, os juízes. - Como, Meleto, esses são capazes de educar os jovens e os tornar melhores? -Como não? -Todos, ou alguns apenas, outros não? - Todos. - Muito bem respondido, por Hera: Vê quanta abundância de pessoas úteis! Como ? Também estes, que nos escutam, tornam melhores os jovens ou não? - Também estes. -E os senadores? -Também os senadores. - É assim, Meleto. Não corrompem os jovens os cidadãos da Assembléia, ou também todos esses os tornam melhores? - Também esses. -Assim, pois, todos os homens, como parece, tornam melhores os jovens, exceto eu. Só eu corrompo os jovens. Não é isso? - Isso exatamente afirmo de modo conciso. - Oh! Que grande desgraça descobriste em mim! E responde-me: será assim também para os cavalos? que aqueles que os tonam melhores são todos homens e que só um os corrompe? ou será o contrário, que um só é capaz de os tornar melhores, e bem poucos aqueles que entendem de cavalos; e os mais, quando querem manejá-los e usá-los, os estragam? Não é assim, Meleto, para os cavalos como para todos os animais? Sim, certamente, ainda que tu e Anito o neguem ou afirmem. Pois seria uma grande fortuna para os jovens que um só corrompesse e os outros lhe fossem todos úteis. Mas, na realidade, Meleto, mostraste o suficiente que jamais te preocupaste com os jovens, e claramente revelaste o teu desmazelo, que nenhum pensamento te passou pela mente, disto que me acusas. XII - E , agora, dize-me, por Zeus, Meleto: que é melhor, viver entre virtuosos cidadãos ou entre malvados? Responde, meu caro, não te pergunto uma coisa difícil. Não fazem os malvados alguma maldade aos que são seus vizinhos, e alguns benefícios os bons? - Certamente. - E haverá quem prefira receber malefícios a ser auxiliado opor aqueles que estão com ele? Responde, porque também a lei manda responder. Há os que gostam de ser prejudicados. -Não,por certo. -Vamos, pois, tu me acusas como pessoa que corrompe os jovens e os torna piores, voluntariamente ou involuntariamente? - Para mim, voluntariamente. - Como, Meleto? Tu, nesta idade, és mais sábio do que eu, tão velho, sabendo que os maus fazem sempre mal aos mais próximos e os bons fazem bem: eu, pois, cheguei a tal grau de ignorância que não si nem isso, que se tornasse maus alguns daqueles que estavam comigo, correria o risco de receber dano, se é que faço um tão grande mau, como dizes. Não te creio, Meleto, quanto a isso, e ninguém te acredita, penso. Mas. ou não os corrompo, ou, se os corrompo, é involuntariamente, e em ambos os casos mentiste. E, se os corrompo involuntariamente, não há leis que mandem trazer aqui alguém, por tais fatos involuntários, mas há as que mandam conduzi-lo em particular, instruindo-o, advertindo-o; é claro que se me convencer, cessarei de fazer o que estava fazendo sem querer. Tu. ao contrário, evitaste encontrar-me e instruir-me, não o quiseste; e me conduzes aqui, onde a lei ordena citar aqueles que tem necessidade de pena e não de instrução. XIII Mas, cidadãos atenienses, os fatos evidenciaram o que eu sempre disse. Jamais Meleto prestou atenção a tais coisas, nem muita, nem pouca. Todavia, explica, Meleto, o que significa a tua expressão, dizendo corrompo os jovens. É claro, segundo a acusação escrita por ti mesmo, que ensino a não respeitar os deuses que a cidade respeita, porém, outras divindades novas. Não dizes que os corrompo, ensinando tais coisas? -Sim, é isso mesmo que eu digo, sempre que posso. - Assim, pois, Meleto, por estes mesmos deuses, de que agora está falando, fala ainda mais claro, a mim e aos outros. Não consigo entender se dizes que eu ensino a creditar que existem certos deuses - e em verdade creio que existem deuses, e não sou de todo ateu, nem sou culpado de tal erro - mas não são os da cidade, porém outros, e disso exatamente me acusas, dizendo que eu creio em outros deuses. Ou dizes que eu mesmo não creio inteiramente nos deuses e que ensino isso aos outros? - Eu digo isso, que não acreditas inteiramente nos deuses. - Admirável Meleto, a quem disse eu isso? Não creio, pois, do mesmo modo que os outros homens, que o sol e a lua são deuses? -Não, por Zeus, ó juízes: ele disse de fato que o sol é uma pedra, e a lua, terra. - Tu acreditas acusar Anáxagoras, caro Meleto; e me desprezas tanto e me consideras tão privado de letras a ponto de não saber que os livros de Anáxagoras Clazomênio estão cheios de tais raciocínios? De modo que os jovens aprendem coisas de mim, pelas quais podem talvez, pagando todos no máximo uma dracma, rir-se de Sócrates, quando se lhe atribui arrogância, embora isso pareça estranho. Mas, por Zeus, assim te parece, que eu creio que não exista nenhum deus? -Nenhum, por Zeus, nenhum mesmo. - És de certo, indigno de fé, Meleto, e também a ti mesmo, me parece, tais coisas são inacreditáveis. Porque este homem, cidadãos atenienses, me parece a própria arrogância e imprudência, e certamente escreveu essa acusação por medo, intemperança e leviandade juvenil. De fato ele, para mim, se assemelha a alguém que proponha um enigma e diga, interrogando-se a si mesmo: Perceberá Sócrates, o sábio, que eu estou zombando dele e me contradigo, ou conseguirei enganá-lo e aos outros que me ouvem? E, ao contrário, me parece que, no ato da acusação, se contradiz de propósito, como se dissesse: Sócrates comete crime, não acreditando nos deuses, mas acreditando nos deuses. E isso, na verdade é fazer zombaria.] XIV - Considerai, pois, comigo, ó cidadãos, de que modo me parece que ele diz isso. Responde-nos tu, Meleto, e vós, como pedi a princípio, não façais rumor contra mim, se conduzo o raciocínio desse modo. Existem entre os homens, Meleto, os que acreditam que há coisas humanas, que não há homens? Que responda ele, ó juízes, sem resmungar ora uma coisa ora outra. Há os que acreditam que não há cavalos, e coisas que tenham relação com os cavalos sim? Ou acreditam que não há flautistas, e coisas relativas à flauta sim? Não há? Ótimo homem, se não queres responder, digo-o eu, aqui, a ti e aos outros presentes. Mas, ao menos, responde a isto: Há quem acredite que há coisas demoníacas, e demônios não? - Não há. -Oh! como estou contente que tenhas respondido de má vontade, constrangido por outros! Tu dizes. pois, que eu creio e ensino coisas demoníacas, sejam novas, sejam velhas; portanto, segundo o teu raciocínio, eu creio que há coisas demoníacas e o juraste na tua acusação. Ora, se creio que há coisas demoníacas, certo é absolutamente necessário que eu creia também na existência dos demônios. Não é assim? Assim é: estou certo de que o admites, porque não respondes. E não temo em apreço os demônios como deuses ou filho de deuses? Sim, ou não? - Sim, é certo. - Se, pois, creio na existência dos demônios, como dizes, se os demônios são uma espécie de deuses, isso seria propor que não acredito nos deuses, e depois, que, ao contrário, creio nos deuses, porque ao menos creio na existência dos demônios. Se, por outra parte, os demônios são filhos bastardos dos deuses com as ninfas, ou outras mulheres, das quais somente se dizem nascidos, quem jamais poderia ter a certeza de que são filhos dos deuses se não existem deuses? Seria de fato do mesmo modo absurdo que alguém acreditasse nas mulas, filas de cavalos e das jumentas, e acreditassem não existirem cavalos e asnos. Mas, Meleto, tua acusação foi feita para me pôr à prova, ou também por não saber a verdadeira culpa que me pudesses atribuir: por que, pois, te arriscas a persuadir um homem, mesmo de mente restrita, de que pode a mesma pessoa acreditar na existência das coisas demoníacas e divinas, e, de outro lado, essa pessoa não admitir demônios, nem deuses, nem heróis? Isso não é possível. XV
Em realidade, cidadãos atenienses, para demonstrar que não sou réu, segundo a acusação de Meleto, não me parece ser necessária longa defesa, mas isso basta. Aquilo, pois, que eu dizia no princípio, que há muito ódio contra mim, e muito acumulado, bem sabeis que é verdade. E isso é o que me vai perder, se eu me perder ... e não Meleto, ou Anito, mas, a calúnia e a insídia do povo: pela mesma razão se perderam muitos outros homens virtuosos, e outros ainda, creio, serão perdidos; não há perigo que a série se feche comigo. Mas talvez pudesse alguém dizer: Não te envergonhas, Sócrates, de te aplicardes a tais ocupações, pelas quais agora está arriscado a morrer? A isso, porei justo raciocínio, e é o seguinte: não estás falando bem, meu caro, se acreditas que um homem, de qualquer utilidade, por menor que seja, deve fazer caso dos riscos de viver ou morrer, e , ao contrário, só deve considerar uma coisa: quando fizer o que quer que seja, deve considerar se faz coisa justa ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou desonesto. Porquanto, segundo a tua opinião, seriam desprezíveis todos aqueles semi-deuses que morreram em Tróia. E, com eles, o filho de Tétis, o qual, para não sobreviver à vergonha, desprezou de tal modo o perigo que, desejoso de matar Heitor, não deu ouvido à predição de sua mãe, que era uma deusa, e a qual lhe deve ter dito mais ou menos isto: -Filho, se vingares a morte de teu amigo Pátroclo e matares Heitor, tu mesmo morrerás, porque, imediatamente depois de Heitor, o teu destino estará terminado. - Ouviu tais palavras, não fez nenhum caso da morte e dos perigos, e, temendo muito mais o viver ignóbil e não vingar os amigos, disse: Morra eu imediatamente depois de ter punido o culpado, para que não permaneça aqui como objeto de riso, junto das minhas naus recurvas inútil fardo da terra. Crês que tenha feito caso dos perigos e da morte? Porque em verdade assim é, cidadãos atenienses: onde quer que alguém tenha colocado, reputando o melhor posto, ou se for ali colocado pelo comandante, tem necessidade, a meu ver, de ir firme ao encontro dos perigos, sem se importar com a morte ou com coisa alguma, a não ser com as torpezas. XVI Gravíssimo erro deveria considerar, cidadãos atenienses, quando os comandantes, por vós eleitos para me dirigirem, me assinalaram um posto em Potidéia, em Anfípolo, em Délio, não ter ficado eu onde me colocaram como qualquer outro e correndo perigo de morte. Quando, pois, o deus me ordenava, como penso e estou convencido, que eu devia viver filosofando e examinando a mim mesmo e aos outros, então eu, se temendo a morte ou qualquer outra coisa, tivesse abandonado o meu posto, isso seria deveram intolerável. Nesse caso, com razão, alguém poderia conduzir-me ao tribunal, e acusar-me de não acreditar na existência dos deuses, desobedecendo ao oráculo, e temendo a morte, e reputando-me sábio sem o ser. Pois que, ó cidadãos, o temer a morte não é outra coisa que parecer ter sabedoria, não tendo. É de fato parecer saber o que não se sabe. Ninguém sabe, na verdade, se por acaso a morte não é o maior de todos os bens para o homem, e entretanto todos a temem, como se soubessem, com certeza, que é o maior dos males. E o que é senão ignorância, de todas a mais reprovável, acreditar saber aquilo que não se sabe? Eu, por mim, ó cidadãos, talvez nisso seja diferente da maior parte dos homens, eu diria isto: não sabendo bastante das coisas do Hades, delas não fugirei. Mas fazer injustiça, desobedecer a quem é melhor e sabe mais do que nós, seja deus, seja homem. isso é que é mal e vergonha. Não temerei nem fugirei das coisas que não sei se, por acaso, são boas ou más. Anito disse que, ou não se devia, desde o princípio, trazer-me aqui, ou, uma vez que me trouxeram não é possível deixarem de me condenar à morte, afirmando que, se eu me salvasse, imediatamente os vossos filhos, seguindo os ensinamentos de Sócrates, estariam de fato corrompidos. Mas, se me absolvêsseis, não cedendo a Anito, se me dissésseis: Sócrates, agora não damos crédito a Anito, mas te absolveremos, contando que não te ocupes mais dessas tais pesquisas e de filosofar, porque, se fores apanhado ainda a fazer isso, morrerás; se, pois, me absolvêsseis sob tal condição, eu vos diria: - Cidadãos atenienses, eu vos respeito e vos amo, mas obedecerei aos deuses em vez de obedecer a vós, e enquanto eu respirar e estiver na posse de minhas faculdades, não deixarei de filosofar e de vos exortar ou de instruir cada um, quem quer que seja que vier à minha presença, dizendo-lhe, como é meu costume: - Ótimo homem, tu que és cidadão de Atenas, da cidade maior e mais famosa pelo saber e pelo poder, não te envergonhas de fazer caso das riquezas, para guardares quanto mais puderes e da glória e das honrarias, e, depois, não fazer caso e nada te importares de sabedoria, da verdade e da alma, para tê-la cada vez melhor? E, se algum de vós protestar e prometer cuidar , não o deixarei já, nem irei embora, mas o interrogarei e o examinarei e o convencerei, e, em qualquer momento que pareça que não possui virtude, convencido de que a possuo, o reprovarei, porque faz pouquíssimo caso das coisas de grandíssima importância e grande caso das parvoíces. E isso o farei com quem quer que seja que me apareça, seja jovem ou velho, forasteiro ou cidadão, tanto mais com os cidadãos quanto mais me sejam vizinhos por nascimento. Isso justamente é o que me manda o deus, e vós o sabeis, e creio que nenhum bem maior tendes na cidade, maior que este meu serviço do deus. Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados. Se, falando assim, eu corrompo os jovens, tais raciocínios são prejudiciais; mas se alguém disser que digo outras coisas que não essas, não diz a verdade. Por isso vos direi, cidadãos atenienses, que secundado Anito ou não, absolvendo-me ou não, não farei outra coisa, nem que tenha de morrer muitas vezes. VII Não façais rumor, cidadãos atenienses, mas perseverai no que vos estou dizendo, isto é, não vocifereis pelas coisas que vos digo, mas ouvi-me; pois escutando-me, penso que tirareis proveito. Aqui estou para vos dizer algumas outras coisas, e talvez, por isso, levantareis a voz, mas não o deveis fazer. Sabei-o bem: se me condenais a morrer, a mim que sou tal como eu digo, não causareis maior dano a mim que vós mesmos. E, de fato, nem Meleto, nem Anito me poderiam fazer mal em coisa em alguma: isso jamais seria possível, pois que não pode acontecer que um homem melhor receba dano de um pior. É possível que me mandem matar, ou me exilem, ou me tolham os direitos civis; mas provavelmente, eles ou quaisquer outros reputam tais coisas como grandes males, ao passo que eu não considero assim, e, ao contrário considero muito maior mal fazer o que agora eles estão fazendo, procurando matar injustamente um homem. Ora, pois, cidadãos atenienses, estou bem longe de me defender por amor a mim mesmo, como alguém poderia supor, mas por amor a vós, para que, condenando-me, não tenhais de cometer o erro de repelir o dom de mim que vos fez o deus. Pois que, se me mandares matar, não encontrareis facilmente outro igual, que (pode parecer ridículo dizê-lo) tenha sido adaptado pelo deus à cidade, do mesmo modo com a um cavalo grande e de pura raça, mas um pouco lerdo pela sua gordura, é aplicada a necessária esporada para sacudi-lo. assim justamente me parece que o deus me aplicou à cidade, de maneira que, despertando cada um de vós e persuadindo-vos e desaprovando-vos, não deixo de vos esporar os flancos, por toda a parte, durante todo o dia. E outro parecido, não tereis tão facilmente, cidadãos. Mas, se me ouvísseis me pouparíeis. É possível que vós irritados como aqueles que são despertados quando no melhor do dono, repelindo-me para condescender com Anito, levianamente me condeneis à morte, para dormirdes o resto da vida, se, entretanto, o deus, pensando em vós, não vos mandar algum outro. Que eu seja um homem cuja qualidade é a de ser um dom feito pelo deus à cidade podereis deduzir do seguinte: não é, na verdade, do homem, eu ter descuidado das minhas coisas, resignando-me por tantos anos a me descuidar dos negócios domésticos para acudir sempre aos vossos, aproximando-me sempre de cada um de vós em particular como um pai ou irmão mais velho, persuadindo-vos a vos preocupardes com a virtude? Se, em verdade, disto eu obtivesse qualquer coisa e recebesse compensação de tais advertências, teria uma razão. Mas agora vós mesmos vedes que os acusadores, tendo acusado a mim, com tanta imprudência, de tantas outras coisas, não foram capazes de apresentar uma testemunha de que eu tenha contratado ou pedido alguma recompensa. Pois bem; apresento um testemunho suficiente do que digo: a minha pobreza. XVIII Mas, poderia talvez parecer estranho que eu, andando daqui para lá, me cansasse dando em particular esses conselhos, e depois, em público, não ousasse, subindo diante do vosso povo aconselhar a cidade. A causa disso é a que em várias circunstâncias, eu vos disse muitas vezes: a mim me acontece qualquer coisa de divino e demoníaco; isso justamente Meleto escreveu também no ato da acusação, zombando de mim mim. E tal fato começou comigo em criança. Ouço uma voz, e toda vez que isso acontece ela me desvia do que estou a pique de fazer, mas nunca me leva à ação. Ora, é isso que me impede de me ocupar dos negócios do Estado. E até me parece que muito a propósito mo impede, porquanto, sabei-o bem, cidadãos atenienses, se eu, há muito tempo, tivesse empreendido ocupar-me com os negócios do Estado há muito tempo já estaria morto, e não teria sido útil em nada, nem a vós, nem a mim mesmo. E não vos encolerizeis comigo, porque digo a verdade; não há nenhum homem que se salve, se quer opor-se, com franqueza, a vós ou a qualquer outro povo, e impedir que muitos atos contrários à justiça e às leis se pratique na cidade. E não há outro caminho: quem combate verdadeiramente pelo que é justo, se quer ser salvo por algum tempo, deve viver a vida privada, nunca meter-se nos negócios públicos. Disso vos poderei dar grandes provas, não palavras, mas o que prezei: fatos. Ouvi, pois, de minha boca, o que me aconteceu, para que não saibais que não há ninguém a quem eu tenha feito concessões com desprezo da justiça e por medo da morte; e que, ao mesmo tempo, por essa recusa de toda concessão deverei morrer. Dir-vos-ei talvez coisas comuns e pedantescas, mas verdadeiras. De fato, cidadãos atenienses, não tenho mais nenhum cargo público na cidade, mas fui senador, e e, à nossa Antiquóida coube por sorte a Pritânia, quando quisestes que aqueles dez estrategistas, que não haviam recolhidos os mortos e os náufragos da batalha naval, fossem julgados coletivamente, contra a lei, no que todos vós conviestes. Então somente eu, dos pritanos, me opus a vós, não querendo agir em oposição à lei ,e votei contra. E, embora os oradores estivessem prontos a me acusar e me prender, e vós os encorajásseis vociferando, mesmo assim, achei que me convinha mais correr perigo com a lei e com o que era justo, do que, por medo do cárcere e da morte, estar convosco, vós que deliberáveis o injusto. Isso acontecia quando a cidade era ainda governada pela democracia. Quando veio a oligarquia, os Trinta, novamente tendo-me chamado, em quinto lugar, ao Tolo, orderam-me que fosse à Salamina buscar o Leão Salamínio, para que fosse morte. Muitos fatos desse gênero tinham sido ordenados a muitos outros, com o fim de cobrir de infâmia quanto pudessem. Também naquele momento, não com palavras mas com fatos, demonstrei de novo que a morte não me importava, ou me importava menos que um figo, eu diria se não fosse indelicado dizê-lo. Mas não fazer nada de injusto e de ímpio isso sim, me importa acima de tudo. Pois aquele governo, embora tão violento, não me intimidou, para que fizesse alguma injustiça; mas quando saímos de tolo, os outros quatro foram à Salaminas e trouxeram Leão, e eu, ao contrário, afastei-me deles e fui para casa. Naquela ocasião, eu teria sido morto, se o governo não fosse derrubado pouco depois. E disso tendes testemunhas em grande número XIX Ora, julgais que eu teria vivido tantos anos, se me tivesse aplicado aos negócios públicos, e procedendo como homem de bem, tivesse defendido as coisas justas, e, como deve ser, tivesse dado a isso maior importância? Muito longe disso, cidadãos atenienses; na verdade, também nenhum outro se teria salvo! Eu, porém, durante toda a minha vida, se fiz alguma coisa, em público ou em particular, vos apareço sempre o mesmo, não tendo jamais concedido coisa alguma contra a justiça nem aos outros nem a algum daqueles que meus caluniadores chamam de meus discípulos. Mas nunca fui mestre de ninguém: de, pois, alguém mostrou desejoso da minha presença quando eu falava, e acudiam à minha procura jovens e velhos, nunca me recusei a ninguém. Nunca, ao menos, falei de dinheiro; mas igualmente me presto a me interrogar os ricos e os pobres, quando alguém, respondendo, quer ouvir o que digo. e se algum deles se torna melhor, ou não se torna não posso ser responsável, pois que não prometi, nem dei, nesse sentido, nenhum ensinamento. E, se alguém afirmar que aprendeu ou ouviu de mim, em particular, qualquer coisa de diverso do que disse a todos os outros, sabei bem que não diz a verdade. XX Entretanto, como pode acontecer que alguns se comprazam em passar muito tempo comigo? Já ouvistes, cidadãos atenienses, eu já vos disse toda a verdade: é porque tomam gosto em ouvir examinar aqueles que acreditam ser sábio e não o são; não é de fato coisa desagradável. E, como disse, foi o deus que me ordenou a fazê-lo, com oráculos, com sonhos, e com outros meios, pelos quais algumas vezes a divina a vontade ordena a um homem que faça o que quer que seja. Tudo isso, cidadãos atenienses, é verdade e fácil de provar. Com efeito, suponhamos que, entre os jovens, há alguns que estou corrompendo e outros que já corrompi: seria aparentemente inevitável que alguns destes, quando tiveram mais idade, compreendessem que eu lhes tinha alguma vez aconselhado uma ação má - e hoje deveriam estar aqui para me acusar e vingar-se de mim. Suponhamos ainda, que eles não teriam querido vir pessoalmente: mesmo assim, alguns de seus parentes, pais, irmãos ou pessoas de família, se algum dia receberam danos de minha parte, agora deveriam recordar e tirar vingança. Mas eis que vejo aqui presentes muitos desses: primeiro Críton, meu coevo e do mesmo demos, pai de Critóbulo; depois Lisânias Sfécio, pai de Epígenes, além destes outros cujos irmãos estiveram comigo na intimidade: Nicostrato, filho de Teozóides e irmão de Teodoto (e Teodoto, que já é falecido, não poderia impedir Nicostrato de falar contra mim). E há ainda, Paralo de Demócodo, irmão de Teageto, do qual é irmão Platão, e Aiantádoro, de que é irmão Apolodoro. E muitos outros eu poderia citar, alguns dos quais especialmente deveriam ter sido apresentados por meleto como testemunhas, no seu discurso. Mas, se agora se esquivam, aos presentes aqui eu lhes permito dizerem se há qualquer coisa dessa natureza. Mas vós, ó juízes, sois de parecer contrário, achareis que todos estão prontos a me ajudar; mas incorruptíveis homens já de idade avançada, parentes daqueles, que razão teriam para me ajudar senão aquela, reta e justa, convencidos de que Meleto mente e que eu digo a verdade? XXI Assim seja, ó cidadãos: é mais ou menos isso que eu poderei dizer em minha defesa ou qualquer coisa semelhante. Provavelmente, porém, algum de vós poderá ficar encolerizado, recordando-se de si mesmo. Se sustentou uma contenda embora em menor proporções do que essa minha, pediu e suplicou aos juízes, com muitas lágrimas, trazendo aqui os filhos, e muitos outros parentes e amigos, a fim de mover a piedade ao seu favor. Eu não farei certamente nada disso, embora vá ao encontro, como se pode acreditar, do extremo perigo. É possível que qualquer um, considerando isso, pudesse irritar-se contra mim, e, encolerizado por isso mesmo, desse o voto com ira. Se, de fato, algum de vós está em está em tal estado de alma, a mim me parece que poderei dizer-lhe o seguinte: Também eu, meu caro, tenho uma família, e bem posso, como em Homero, dizer que não nasci: "de um carvalho nem de um rochedo", pois eu também tenho parentes e filhinhos, ó cidadãos atenienses: três, um já jovenzinho e duas meninas; mas contudo, não farei vir aqui nenhum deles para vos rogar a minha absolvição. Porque razão não farei nada disso? Não é por soberbia, ó atenienses, nem por desprezo que eu tenha por vós, mas que eu seja corajoso ao menos defronte a morte, isto é outra coisa. Tratando-se de honra, não me parece belo, nem para mim nem para vós, pata toda cidade, que eu faça tal, na idade em que estou, e com este nome de sábio que me dão, seja ele merecido ou não. O fato é que me foi criada a fama de ser este Sócrates em quem há alguma coisa pela qual se tona superior à maioria dos homens. Ora, se aqueles que entre nós, tem a reputação de ser superiores aos demais, pela sabedoria, pela coragem, ou por qualquer outro mérito procedessem de tal modo, seria bem feito. Freqüentemente já notei essa atitude, quando são elas julgadas, em pessoas que, malgrado a reputação de homens de valor que tem, se entregam a extraordinárias manifestações, inspiradas pela idéia de que será coisa terrível ter de morrer: como se, no caso em que vós não o mandásseis à morte, devessem eles ser imortais. São esses homens que, a meu ver, cobrem a cidade de vergonha, e que poderiam suscitar entre os estrangeiros a convicção de aqueles que os próprios atenienses escolheram, de preferência, para serem os seus magistrados e para as demais dignidades, não se diferenciem das mulheres! É um procedimento, atenienses, que não deverá ser o vosso, quando possuirdes reputação em qualquer gênero de valor que seja; e que não deveis permitir seja o meu, caso eu tenha alguma reputação, pois o que deveis fazer é justamente que se compreenda isto: que aquele que se apresenta no tribunal representando estes dramas lamentáveis será mais certamente condenado por vós do que o que permanece tranqüilo. XXII Mas mesmo não fazendo caso da reputação, ó cidadãos, não me parece também justo suplicar aos juízes e evitar a condenação com rogos, mas iluminá-los e persuadi-los. Que o juiz não ceda já por isso, não dispense sentença a favor, mas a pronuncie retamente e jure condescender com quem lhe agrada, mas proceder segundo as leis. Por isso, nem nós devemos habituar-vos a proceder contra o vosso juramento, nem vós deveis permitir que nos habituemos a fazê-lo. Não espereis, cidadãos atenienses, que eu seja constrangido a fazer, diante de vós, coisas tais que não considero nem belas, nem justas, nem santas, especialmente agora, por Zeus, que sou acusado de impiedade por Meleto. É evidente que, se com todo vosso juramento, eu vos persuadisse e com palavras vos forçasse, eu vos ensinaria a considerar que não existem deuses, e assim, enquanto me defendo, em realidade me acusaria, só pelo fato de não crer nos deuses. Mas a coisa está bem longe de ser assim; porquanto, cidadãos atenienses, creio neles, como nenhum dos meus acusadores, e encarrego a vós e ao deus de julgar a mim, do modo que puder ser o melhor para mim e para vós. II Parte - Sócrates é condenado e sugere sua sentença
XXIII A minha impassibilidade, cidadãos atenienses. diante da minha condenação, entre muitas razões, deriva também desta: eu contava com isto, e até, antes me espanto do número dos dois partidos. Por mim, não acreditava que a diferença fosse assim de tão poucos, mas de muitos, pois, se somente trinta fossem da outra parte, eu estaria salvo (nota: dos 501 juízes, 280 a favor e 220 contra). De Meleto, ao contrário, estou livre, me parece ainda, e isso é evidente a todos: se Anito e Licon não viessem aqui acusar-me Meleto teria sido multado em mil dracmas, não tendo obtido o quinto dos votos. XXIV Eles pedem, pois, para mim, a pena de morte. Pois bem, atenienses, que contraproposta vos farei eu? A que mereço, não é assim? Qual, pois? Que pena ou multa mereço eu, que em toda a vida não repousei um momento, mas descuidando daquilo que todos tem em grande conta, a aquisição de riquezas e a administração doméstica, e os comandos militares, e as altas magistraturas, e as conspirações, e os partidos que surgem na cidade, conservei-me na realidade de ânimo bastante brando para que pudesse, fugindo de tais intrigas, me livrar delas, não indo aonde a minha presença não fosse de nenhuma vantagem nem para vós nem para mim mesmo? Voltava-me, ao contrário, para os lados aonde eu poderia levar, a cada um em particular, os maiores benefícios, procurando persuadir cada um de vós a não se preocupar demasiadamente com suas próprias coisas, antes que de si mesmo, para se tornar quanto mais honesto fosse possível; a não cuidar dos negócios da cidade antes que da própria cidade, e preocupar-se, assim, do mesmo modo, com outras coisas. De que sou digno eu, tendo sido assim procedido? De um bem, cidadãos atenienses, se devo fazer uma proposta conforme o mérito; e um bem tal que me possa convir. E, que convém a um pobre benemérito que tem necessidade de estar em paz, para vos exortar ao caminho reto? Não há coisa que melhor convenha, cidadãos atenienses, que nutrir um tal homem a expensas do estado, no Pritaneu; merece-o bem mais que um de vós que tenha sido vencedor nos Jogos olímpicos, na corrida de de cavalos, de bigas ou quadrigas! Esse homem, porém, faça com que o sejais; ele, homem rico, não tem necessidade de que se cuide de sua subsistência, mas eu tenho necessidade. Portanto, se devo fazer uma proposta segundo a justiça, eis o que indico para mim: ser, a expensas do Estado, nutrido no Pritaneu. XXV Ao contrário, talvez vos pareça que eu, ainda falando disso, o faça com arrogância, pouco mais ou menos como quando falava da consideração e dos rogos; mas não é assim, cidadãos atenienses, antes é deste modo: estou persuadido de que não ofendo ninguém por minha vontade, mas não vos posso persuadir também disto, porque o tempo em que estamos raciocinando juntos é brevíssimo; e eu creio que, se as vossas leis, como as de outros povos, não decidissem um juízo capital em um dia, mas em muitos, vos persuadiria: ora, não é fácil, em pouco tempo, destruir grandes calúnias. Estando, pois, convencido de não ter feito injustiça a ninguém, estou bem longe de fazê-la, a mim mesmo e dizer em meu dano ,que mereço um mal, e me assinalar um de tal sorte. Que devo temer? É possível que eu não tenha de sofrer a pena que me assinala Meleto e que eu digo ignorar se será um bem ou mal? E, ao contrário disso, deverei escolher uma daquelas que sei bem ser um mal, e propor-me essa pena? O cárcere? E por que devo viver no cárcere, escravo do magistrado que o preside, escravo dos Onze. Ou uma multa, ficando amarrado, quanto não acabe de paga-la? Seria, pois, o exílio que deveria propor como pena para mim? É possível que vós me indiquei essa pena. Ah! eu teria verdadeiramente um amor excessivo à vida se fosse irrefletido ao ponto de não ser capaz de refletir nisso: vós que sois meus concidadãos acabastes por não achar meios de suportar meus sermões; estes se tornaram para vós um fardo bastante pesado e detestável para que procurei hoje livrar-vos, serão os meus sermões mais fáceis de suportar para os outros? Muito longe disso, atenienses! Bela vida, em verdade, seria a minha, nesta idade, viver fora da pátria, passando de uma cidade a outra, expulso em degredo. Sei bem que onde quer que eu vá, os jovens ouvirão os meus discursos como aqui: se eu os repelir, eles mesmos me mandarão embora, convencendo os velhos a fazê-lo; e se não os repelir, os seus pais e parentes me mandarão embora igualmente, com qualquer pretexto. XXVI Ora, é possível que alguém pergunte: - Sócrates, não poderias tu viver longe da pária, calado e em paz? Eis justamente o que é mais difícil fazer aceitar a alguns dentre vós: se digo que seria desobedecer ao deus e que, por essa razão, eu não poderia ficar tranqüilo, não me acreditaríeis, supondo que tal afirmação é, de minha parte, uma fingida candura. Se, ao contrário, digo que o maior bem para um homem é justamente este, falar todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos sobre os quais me ouvistes raciocinar, examinando a mim mesmo e aos outros, e, que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida, ainda menos me acreditaríeis, ouvindo-me dizer tais coisas. Entretanto, é assim, como digo, ó cidadãos, mas não é fácil torná-lo persuasivo. E, por outro lado, não estou habituado a acreditar-me digno de nenhum mal. De fato, se tivesse dinheiro, me multaria em uma soma que pudesse pagar, porque não teria prejuízo algum; mas o fato é que não tenho. Só se quiserdes multar-me em tanto quanto eu possa pagar. Talvez eu vos pudesse pagar uma mina de prata; multo-me, pois em tanto. Mas Platão, cidadãos atenienses, Críton, Cristóbolo e Apolodoro me obrigam a multar-me em trinta minas, e oferecem fiança: multo-me, pois, em tanto, e eles vos serão fiadores dignos de crédito. III Parte - Sócrates se despede do tribunal XXVII Por não terdes querido esperar um pouco mais de tempo, atenienses, ireis obter, da parte dos que desejam lançar o opróbio sobre a nosso cidade, a fama e a acusação de haverdes sido os assassinos de um sábio, de Sócrates. Porque, quem vos quiser desaprovar me chamará, sem dúvida, de sábio, embora eu não o seja. Pois bem, tivésseis esperado um pouco de tempo, a coisa seria resolvida por si: vós vedes, de fato, a minha idade. E digo isso não a vós todos, mas àqueles que me condenaram à morte. Digo, além disto, mais o seguinte a esses mesmos: É possível que tenhais acreditado, ó cidadãos, que eu tenha sido condenado por pobreza de raciocínio, com os quais eu poderia vos persuadir, se eu tivesse acreditado que era preciso dizer a fazer tudo, para evitar a condenação. Mas não é assim. Cai por falta, não de raciocínios, mas de audácia e imprudência, e não por querer dizer-vos coisas tais que vos teria sido gratíssimas de ouvir, choramingando, lamentando e fazendo e dizendo muitas outras coisas indignas, as quais, certo, estais habituados a ouvir de outros. Mas, nem mesmo agora, na hora do perigo, eu faria nada de inconveniente, nem mesmo agora me arrependo de me ter defendido como o fiz, antes prefiro mesmo morrer, tendo-me defendido desse modo, a viver daquele outro. Nem nos tribunais, nem no campo, nem a mim, nem a ninguém convém tentar todos os meios para fugir à morte. Até mesmo nas batalhas, de fato, é bastante evidente que se poderia evitar de morrer, jogando fora as armas e suplicando aos que perseguem: e muitos outros meios há, nos perigos individuais, para evitar a morte se se ousa dizer e fazer alguma coisa. Mas, ó cidadãos, talvez o difícil não seja isso: fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte. E agora eu, preguiçoso como sou e velho, fui apanhado pela mais lenta, enquanto os meus acusadores, válidos e leves, foram apanhados pela mais veloz: a maldade. Assim, eu me vejo condenado à morte por vós, condenados de verdade, criminosos de improbidade e de injustiça. Eu estou dentro da minha pena, vós dentro da vossa. E, talvez, essas coisas devessem acontecer mesmo assim. E creio que cada qual foi tratado adequadamente. XVIII Agora, pois, quero vaticinar-vos o que se seguirá, ó vós que me condenastes, porque já estou no ponto em que os homens especialmente vaticinam, quando estão para morrer. Digo-vos, de fato, ó cidadãos que me condenaram, que logo depois da minha morte virá uma vingança muito mais severa, por Zeus, do que aquela pela qual me tendes sacrificado. Fizestes isto acreditando subtrair-vos ao aborrecimento de terdes de dar conta da vossa vida, mas eu vos asseguro que tudo sairá ao contrário. Em maior número serão os vossos censores, que eu até agora contive, e vós reparastes. E tanto mais vos atacarão quanto mais jovens forem e disso tereis maiores aborrecimentos. Se acreditais, matando os homens, entreter alguns dos vossos críticos, não pensais justo; esse modo de vos livrardes não é decerto eficaz nem belo, mas belíssimo e facílimo é não contrariar os outros, mas aplicar-se a se tornar, quanto se puder, melhor. Faço, pois, este vaticínio a vós que me condenastes. Chego ao fim. XIX Quanto àqueles cujos votos me absolveram, eu teria prazer de conversar com eles a respeito deste caso que acaba de ocorrer enquanto os magistrados estão ocupados, enquanto não chega o momento de ter de ir ao lugar onde terei de morrer. Ficai, pois, comigo este pouco de tempo, ó cidadãos, porque nada nos impede de conversarmos horas juntos, enquanto de pode. É que a vós, como meus amigos, quero mostrar, que não desejo falar do meu caso presente. A mim, de fato, ó juízes - uma vez que, chamando-vos juízes vos dou o nome que vos convém - aconteceu qualquer coisa de maravilhoso. Aquela minha voz habitual do demônio (daimon, gênio) em todos os tempos passados me era sempre freqüente e se oponha ainda mais nos pequeninos casos, cada vez que fosse para fazer alguma coisa que não estivesse muito bem. Ora, aconteceram-me estas coisas, que vós mesmos estais vendo e que, decerto, alguns julgariam e considerariam o extremo dos males; pois bem, o sinal do deus não se me opôs, nem esta manhã, ao sair de casa, nem quando vim aqui, ao tribunal, nem durante todo o discurso. Em todo este processo, não se opôs uma só vez, nem a um ato, nem a palavra alguma. Qual suponho que seja a causa? Eu vo-la direi: em verdade este meu caso arrisca ser um bem, e estamos longe de julgar retamente, quando pensamos que a morte é um mal. E disso tenho uma grande prova: que, por muito menos, o habitual signo, o meu demônio, se me teria oposto, se não fosse para fazer alguma coisa de bm. Passemos a considerar a questão em si mesma, de como há grande esperança de que isso seja um bem. Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente. Creio que, se alguém escolhesse a noite na qual tivesse dormido sem ter nenhum sonho, e comparasse essa noite às outras noites e dias de sua vida e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia vivido melhor, e mais docemente do que naquela noite, creio que não somente qualquer indivíduo, mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse respeito, lamentando todos os outros dias e noites. Assim, se a morte é isso, eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se resume a uma única noite. Se, ao contrário, a morte é como uma passagem deste para outro lugar, e, se é verdade o que se diz que lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juízes, maior do que este? Porque, se chegarmos ao Hades, libertando-nos destes que se vangloriam serem juízes, havemos de encontrar os verdadeiros juízes, os quais nos diria que fazem justiça acolá: Monos e Radamante, Éaco e Triptolemo, e tantos outros deuses e semideuses que foram justos na vida; seria então essa viagem uma viagem de se fazer pouco caso? Que preço não serieis capazes de pagar, para conversar com Orfeu, Museu, Hesíodo e Homero? Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade, pois para mim especialmente. a conversação acolá seria maravilhosa, quando eu encontrasse Palamedes e Ajax Telamônio e qualquer um dos antigos mortos por injusto julgamento. E não seria sem deleite, me parece, confrontar o meu com os seus casos, e, o que é melhor, passar o tempo examinando e confrontando os de lá com cá, os últimos dos quis tem a pretensão de conhecer a sabedoria dos outros, e acreditam ser sábios e não são. A que preço, ó juízes, não se consentiria em examinar aquele que guiou o grande exército a Tróia, Ulisses, Sísifo, ou infinitos outros? Isso constituiriam inefável felicidade. Com certeza aqueles de lá mandam a morte por isso, porque além do mais, são mais felizes do que os de cá, mesmo porque são imortais, se é que o que se diz é verdade XXX Mas também vós, ó juízes, deveis ter boa esperança em relação à morte, e considerar esta única verdade: que não é possível haver algum mal para um homem de bem, nem durante sua vida, nem depois da morte, que os deuses não se interessam do que a ele concerne; e que, por isso mesmo, o que hoje aconteceu, no que a mim concerne, não é devido ao acaso, mas é a prova de que para mim era melhor morrer agora e ser libertado das coisas deste mundo. Eis também a razão por que a divina voz não me dissuadiu, e por que, de minha parte, não estou zangado com aqueles cujos votos me condenaram, nem contra meus acusadores. Não foi com esse pensamento, entretanto, que eles votaram contra mim, que me acusaram, pois acreditavam causar-me um mal. Por isto é justo que sejam censurados. Mas tudo o que lhes peço é o seguinte: Quando os meus filhinhos ficarem adultos, puni-os, é cidadãos, atormentai-os do mesmo modo que eu os vos atormentei, quando vos parecer que eles cuidam mais das riquezas ou de outras coisas do que da virtude. E ,se acreditarem ser qualquer coisa não sendo nada, reprovai-os, como eu a vós: não vos preocupeis com aquilo que não lhes é devido. E, se fizerdes isso, terei de vós o que é justo, eu e os meus filhos. Mas, já é hora de irmos: eu para a morte, e vós para viverdes. Mas, quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para deus.
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domingo, março 09, 2014

Breve Resumo do Imperativo Categórico em Kant


---------A doutrina moral de Kant é independente de qualquer sentido religioso. Sua moral exclui a noção de intenção como elemento de uma alma pura, e o dever não é uma obrigação a ser seguida em virtude de um ente superior. Intenção e dever (em Kant) dependem do sujeito epistemológico (eu transcendental) e não do eu psicológico (indivíduo). Para Kant, o sujeito transcendental trata-se de uma maquinaria (aparelho cognitivo) subjetiva, universal e necessária (presente em todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares). Assim, todo ser saudável possui tal aparato, formado por três campos: a razão, o entendimento (categorias) e a sensibilidade (formas puras da intuição-espaço e tempo). Em Kant, a razão (faculdade das idéias) é que preserva os princípios que articulam intenção e dever conforme a autonomia do sujeito. Desse modo segue-se que tais princípios não podem ser negados sem autocontradição. Daí deriva a idéia de liberdade kantiana, de um caráter sintético a priori, sendo que sem liberdade não pode haver nenhum ato moral; para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de sermos livres. ---O imperativo categórico O comando moral que faz com que nossas ações sejam moralmente boas, se expressa no imperativo categórico: “age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (FMC, 2004, p.51). Essa lei está atada à razão pura prática. Todo sujeito é racional (tem raciocínio lógico), por isso tem condição de sujeito moral, dotado de normas. Exercer uma ação contrária levaria ao absurdo. O exemplo que Kant nos dá (FMC) a respeito da mentira é o mais conhecido. Poderia alguém mentir em benefício próprio, de um ente querido, ou mesmo em favor da humanidade? Kant, nos diz não, pois a mentira jamais poderia ser universalizada sem autocontradição: (...) pois, segundo essa lei, não poderia haver propriamente promessa alguma, já que seria inútil afirmar a minha vontade quanto a minhas futuras ações, pois as pessoas não acreditariam em meu fingimento, ou, se precipitadamente o fizessem, pagar-me-iam na mesma moeda. Portanto, a minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente (Kant, FMC, 2004, p.31). Desse modo, cada sujeito, tem um alarme acionado na sua consciência moral (com a razão pura prática funcionando), que evidencia essa contradição, alertando que essa ação deve ser refutada, visto que essa ação não pode servir para todos. Assim, consultando a razão pura prática (como deveria alguém agir na minha situação?), constataremos que se todos se utilizassem dessa ação, o mundo seria um verdadeiro caos. O imperativo categórico em Kant é uma forma a priori, pura, independente do útil ou prejudicial. É uma escolha voluntária racional, por finalidade e não causalidade. Superam-se os interesses e impõe-se o ser moral, o dever. O dever é o princípio supremo de toda a moralidade (moral deontológica). Dessa forma uma ação é certa quando realizada por um sentimento de dever. A razão é a condição a priori da vontade, por isso independe da experiência. --Diferenças entre os imperativos Todos os imperativos ordenam, e são fórmulas para exprimir as relações entre as leis objetivas do querer em geral, e a discordância subjetiva da vontade humana. Imperativo é hipotético: no caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, ou seja, em vista de algum propósito possível ou real. A habilidade na escolha dos meios para atingir o maior bem-estar próprio pode-se chamar sagacidade. Por exemplo, a escolha dos meios para alcançar a própria felicidade (não é um ideal da razão, mas da imaginação), continua sendo um imperativo hipotético (considerados mais como conselhos). Imperativo Categórico: não é limitado a nenhuma condição, é um mandamento absoluto (necessário), vale como princípio apodíctico-prático (da razão). Segue-se que somente o imperativo categórico equivale a uma lei prática, e os outros imperativos podem ser denominados de princípios da vontade, mas não leis. Pois, conforme nos diz Kant “o mandamento incondicional não deixa à vontade nenhum arbítrio acerca do que ordena, só ele tendo, portanto, em si, aquela necessidade que exigimos na lei” (FMC, 2004, p. 50). ---As fórmulas do Imperativo Categórico Além da fórmula da universalidade da lei, que vimos no que foi exposto anteriormente temos duas outras fórmulas: *baseada na humanidade como fim: Kant afirma que todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Assim o imperativo prático será o seguinte: “age de tal maneira que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” (FMC, 2004, p. 59). *baseada na vontade legisladora universal: a vontade da ação deve ser vista como um dever, ou seja, a idéia da vontade de todo ser racional concebida como vontade legisladora universal. Segundo esse princípio, Kant afirma: A vontade não está, pois, simplesmente submetida à lei, mas o está de tal maneira que possa ser também considerada legisladora ela mesma, e precisamente por isso então submetida à lei (de que ela mesma pode ser considerada como autora - FMC, 2004, p. 62). -Uma Especificação de Fato de Razão e Liberdade nas ações O fato de razão se revela na decisão e não na contemplação. Contemplamos todas as características possíveis, nossas motivações pessoais, as circunstâncias do momento, e nos perguntamos novamente: “o que eu deveria fazer?” Depois de ter a convicção de ter levado tudo em conta, tomar uma decisão por mais difícil que seja, isso corresponde ao fato de razão. Dessa maneira o fato de razão é apresentado mediante nossa reflexão (avaliação) de nossas máximas como princípio de vida. Os princípios diversos da própria razão, baseados em motivos invertidos constituem o que chamamos de mal (transgressão dos limites da razão). E na maldade a avaliação que se faz dos pensamentos é corrompida na origem. Como se vê, a razão pura é uma razão livre de motivos empíricos ou particulares, sem interesses do que se pode conseguir com tal ato. E a razão empírica se reduz aos nossos interesses, com base na experiência, em que criamos conceitos de como satisfazê-los. A liberdade consiste na decisão, que leva em consideração padrões universais aplicáveis que estabeleçam a harmonia coletiva. Assim, o indivíduo encontra em si mesmo os padrões universais que ele consegue exteriorizar. A liberdade exige que a pessoa tome sua decisão baseada em si mesma, partindo de uma visão exterior, que ela vislumbra do seu próprio interior, afirmando sua individualidade. A aplicabilidade de conceitos morais para nós, é conseqüência de nossa liberdade. Ao tomarmos consciência de nossos impulsos, desejos e suas motivações nos confrontamos se iremos atendê-los ou não, e daí é que parte a nossa liberdade, no confronto de uma questão; faremos as nossas escolhas através de uma avaliação. E, se do contrário, não fizermos o confronto (a análise), atendendo prontamente aos nossos instintos, ainda assim, teremos tomados uma decisão, que foi conseqüência de nossa liberdade num posicionamento moral. A liberdade humana é o fundamento de nossas ações e princípios de vida, fazendo parte essencial na prática moral. Não havendo determinação imediata da razão, no valor moral da ação, o próprio conceito de razão prática é questionável. Pois, se ela não é imediata, não é pura, admitindo inclinações. Para que as leis existam, a vontade deve estar fundada na razão, do contrário só teremos princípios práticos baseados na subjetividade. Podemos verificar que o solipsismo vem a ser uma relação patológica consigo mesmo. Trata-se de nosso sistema de inclinações (desejos, impulsos) guiados pelo amor de si ou felicidade própria. E amor de si corresponde a arrogância (presunção), amor próprio. Portanto, a razão prática não pode ser solipsista, pois se baseia na moral prática entre os homens, nas ações livres segundo as máximas, que se convertem em uma lei universal. O único amor que pode ser ordenado é o amor prático, que reside na vontade, não patológico, sem inclinações, mas por dever (ama teu próximo, até teus inimigos). --------Considerações finais Em Kant o dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei. E uma ação por dever elimina todas as inclinações (todo o objeto da vontade), e, portanto, só resta à vontade obedecer à lei prática (baseada na máxima universal), pois trata-se de um princípio que está ligado à vontade. O valor moral da ação não reside no efeito que dela se espera, pois o fundamento da vontade é a representação da lei e não o efeito esperado (uma boa vontade não é boa pelo que promove ou realiza, mas pelo simples querer, em si mesma). A ética kantiana é a ética do dever, autocoerção da razão, que concilia dever e liberdade. O pensamento do dever derruba a arrogância e o amor próprio, e é tido como princípio supremo de toda a moralidade. -------- Copyright André Assis Todos os direitos reservados