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quinta-feira, outubro 06, 2011

A arte de pensar


“O pensamento só se constitui nas relações em que corre sempre o risco de soçobrar”.

Gilles Deleuze

Por trás da ocupação do pensar, existe a vida que nos possibilita observar a realidade tal como ela se manifesta plena das representações e possibilitando os questionamentos.
E por falar em representação é por meio dele que transpomos os objetos de um sistema para um contexto qual podemos perceber e refletir.
O questionamento é um mecanismo sempre de busca, pela compreensão de algo que nos incomoda, como disse Heidegger: ”Todo questionamento é uma procura.” Esta procura se dá em função da nossa incapacidade de compreendermos o real tal com ele se manifesta. Por sê o real misterioso, procuramos interpretá-lo em forma das reapresentações, quais podem nascer de nossos questionamentos reflexivos.
Platão na Caverna das Sombras (Rep.VIII 514-517 aC) nos fala a respeito da interpretação do real pela forma da representação. Na sua alegoria expõe como o ser humano é apto para vê e se adaptar a realidade pela representação.

“Agora imagina a maneira como segue o estado das nossas naturezas relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de perna e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar à cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio. Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam? E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados? Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e as sombras qual via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não o desviará a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras? Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.
Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é. Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna. Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram? E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia? Imagina ainda que esse homem volte à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois se habituar à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? “E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria se pudesse fazê-lo”?

Platão nos mostra nesta alegoria que o pensador detém noções imprecisas da realidade. Desta forma, a alegoria da caverna é uma representação da real.
Platão defende o ponto de vista de que a relação entre as trevas da caverna e a natureza fora dela corresponde à relação entre as formas da natureza e o mundo das idéias.
Ele não acha a natureza em si sombria e triste, mas acha sim que ela é sombria e triste em relação à clareza das idéias.
Para o pensador pensar a existência implica em construir novos conceitos representativos que formam sua maneira de conceber a realidade.

No compromisso de pensar, o homem capta e expressa à realidade, em muitas formas e representações bem como os conceitos.
As representações são acolhidas e expressas em formas variadas do pensar. Rodin por exemplo, manifesta em forma de escultura a força indagadora do interior humano pensante.

“A escultura de A. Rodin (1840-1917), “O pensador” (1904). Mostra a força concentrada, transbordante e torrencial do ato de pensar.


Na escultura de Rodin, o pensador está concentrado, encurvado sobre si, a cabeça escorada na mão, o cotovelo escorado no joelho, o joelho escorado na sola do pé... E o pé escorado na terra. Na mais profunda solidão, o pensador pensa. “Pensar é pisar no imo da realidade, fazendo-a ressurgir cheia de sentido junto a nós”. Arcângelo R. Buzzi. A Existência Humana no Mundo, pág. 79. Editora Vozes.
A escultura de Rodin retrata o oficio do pensar e do pensador. Ela enfoca com muita propriedade a representação do pensamento e pensador.
O pensador está absorto, (refletindo) recurvo sobre si (ele mesmo se isola no universo dos seus pensando e dialoga consigo mesmo). A mão que sustenta a cabeça (questionando na perspectiva de encontrar uma resposta que o satisfaça ou o aproxime de uma resposta satisfatória) o cotovelo repousando no joelho, (a busca de uma afirmação de si, a partir da existência que tem consciência que está integrado) o joelho amparado na sola do pé (fatos e experiências que interagem a vida para a construção do nosso ver a realidade pela via do pensamento). Pé apoiado no solo (a convicção de uma realidade que sempre nos desafia a buscar uma afirmação pela verdade e o limite da certeza para compreendermos a vida).

Mais que pretende o pensador?

O pensador quer suscitar sempre uma nova concepção da realidade qual está inserido. Não é essa a função do pensador expor pela articulação de seu pensamento o resultado da reflexão da realidade que o cerca de um modo próprio e diferente? Ter novos horizontes, buscar novas expectativas de vida e compartilhar com outros as descobertas de seus pensamentos?
No pensar está o desejo de compreender e desvendar as coisas obscuras e descobrir aquelas coisas que nos causam perplexidade e as interpretar com um estilo novo. O que importa em meio as nossas ponderações é o resultado do que produzimos pensando. O fundamental é exercer a capacidade pensante para a produção dos nossos novos valores, e de novos conceitos da vida a partir de nosso olhar. Existimos em um mundo abarrotado de pensamentos e de conceitos herdados por outros; quais são tidos em grande parte como legítimos e verdadeiros. Prosseguirmos repetindo o que nos foi ensinado sem questionar. Porém, os valores e as certezas se transformam de lugar para lugar, ou de uma ocasião histórica para outra situação também histórica. A função do pensador é dissipar estas convicções e abrir novos horizontes pensando em torno de perspectivas novas e sempre originais. Não raro ouvimos pensadores, envolta com as seguintes questões: O que é a vida, qual é minha função nela? São perguntas que todo homem, em algum momento, na vida faz a si mesmo. Pensar é também procurar essas respostas e colocá-las diante de si. E dá si mesmo as respostas.
O pensamento somente tem início quando estamos perplexos com alguma coisa e almejamos respostas para aquilo que nos incomoda. A busca por essas respostas e conhecimentos nasce quando nos damos conta da nossa fragilidade e da nossa ignorância diante do esplendoroso mistério da vida. Pelo pensar buscamos a compreensão das coisas porque não sabermos necessariamente tudo.
Todo pensamento nessa perspectiva é uma tentativa de interpretar, o real e de encontrar o sentido das coisas. Uma forma de pensar não é mais correta do que outra. A função do pensador é servir de instrumento para abertura de novos conhecimentos e torná-los expostos. O pensador olha as coisas e as julga por dentro e por fora examinando tudo; “Nunca me esqueci da visão que tive da coroa do camarote Real, no teatro em Lisboa. De longe, uma maravilha. Quando olhei por debaixo, repleta de sujeira, teias de aranha... e logo aprendi: Para conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta”. (J.Saramago) Esta é a função do pensador; duvidar das certezas, e desconfiar de tudo que vem pronto, não aceitar o quem vê de cima para baixo sem antes questionar.
Pensar entre outros conceitos é buscar compreender o mistério que nos cerca: De onde vim? Para onde vou? Quem eu sou? Cada vez que nos questionamos, nos damos conta de que existimos como “Ser”. Cogito Ergo Sun! Penso e logo existo. Existir é se aperceber da realidade e da realidade não sabemos tudo, porque o que dela sabemos não é claro. “O saber que dela temos é indireto, recolhido em sucessivas experiências e guardado na memória de algumas imagens”. Arcângelo R. Buzzi.
Pensar a realidade é o próprio experimento do Ser; qual habita imerso na existência questionando seu próprio sentido de ser e existir no mundo. Por isso ao pensar, o Ser, certifica-se que é parte de um grande todo existencial, pleno de mistérios e representações. Talvez seja essa a razão por o Ser ao pensar a realidade o faz certo de que existe como Ser pensante. Sabemos que nossa existência no mundo, vive plena de ambigüidades e essas ambigüidades sempre nos imporá o desafio das buscas das questões não muito claras. Isso provoca o movimento do pensamento, com o desafio de olhar para além das ambigüidades as quais nos motivam a trabalhar respostas que nos satisfaçam perante esse mistério de nome vida que nos incomoda e causa perplexidade.
Ante a isso, somos levados a examinar, conceber idéias, expor teorias, conceituar, duvidar, desconstruir, colocar fundamentos, e formular valores usando sempre nossa capacidade reflexiva para a compreensão daquilo que nos incomoda. Mas, toda reflexão pressupõe um valor ou outros valores que são embasados em questionamentos ou em contradições que exigem respostas. “Quando pensamos, fazemo-lo com o fim de julgar ou chegar a uma conclusão” diz C. G. Jung.
Para tanto, nossos pensamentos devem ser aptos para captar e trabalhar as muitas questões já existentes, até chegarmos as nossas próprias conclusões daquilo que ouvimos, vemos e imaginamos. No entanto sempre analisando pelo nosso pensar aberto e livre. Nesse processo de busca e conclusões das questões existências, o pensamento estar sempre aberto para captar, e expiar novas idéias, novos conceitos e outros valores. O resultado do nosso ato de pensar investigativo é que importa, seja como for. O que terá valor para o pensador será o resultado dos seus pensamentos, concorde os outros ou não. A relevância do pensar consiste também que nos esforcemos na elucidação de nossos pensamentos, seja sobre qualquer questão e descobrir por nossa própria conta uma nova visão das coisas pelo ato de pensar.
“Descobrir consiste em olhar para o que todo mundo está vendo e pensar uma coisa diferente”. Albert Szent-Giörgyi. Nobel de medicina. Pensar é isso, é pensar pensantemente. Significa ouvir, vê, lê esquadrinhar, duvidar, conceituar, desconstruir teorias, ou desconstruir conceitos pensar, repensar, decifrar a partir de nosso ponto de vista.

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